O velório da Vó Cotinha juntou a
família toda, inclusive um monte de parentes que eu nem conhecia, como tios e
primos da minha mãe que moravam fora ou não. Durante a noite toda a casa foi
preparada para o velório enquanto o corpo não chegava, o que havia sido
combinado acontecer apenas ao amanhecer para que todos pudessem chegar em
tempo. Eu não queria ir de jeito nenhum.
_ Leo, velório é o momento de nos
despedirmos das pessoas que amamos. – Dizia meu pai. – E é um momento de dar um
apoio ao seu avô.
Aquilo me chamou a atenção e olhei
para ele.
_ Como o vô Tonico está pai?
_ Ele está bem quieto, até
demais. Sua mãe tá bem preocupada. Faz tudo o que pedem para ele fazer sem
falar nada.
_ Tá, eu vou, mas não quero
chegar perto do caixão.
Foi um saco um monte de gente que
eu nem me lembrava ou conhecia vir me cumprimentar com sorrisos e comentários
alegres, como se nada tivesse acontecendo. Agiam como se a vó Cotinha estivesse
por ali e tudo bem.
_ Como você cresceu!
_ É o filho mais novo da Marilda?
Já tá um moço...
_ Lembra de mim? Seus pais foram visitar
minha casa quando você era bebezinho...
Eu ia me esquivando. Queria
encontrar o vô Tonico. Ele estava ao lado do caixão, que se encontrava no meio
da sala. Me aproximei e ele nem viu. Segurei a sua mão.
_ Leo? Oh, Leo! A sua avó... – E
me abraçou aos prantos.
Todos olhavam, pois desde que o
corpo chegara a sua casa aquelas tinham sido sua primeira reação de sofrimento.
Chorei muito abraçado a ele.
_ Leo, vem se despedir da sua
avó.
_ Não quero vô. Não quero vê-la.
_ É só um momento Leo. Você
precisa se despedir. – E começou a me puxar calmamente pelo braço.
_ Essa não é minha vó! – Gritei,
me soltando de sua mão e correndo dali. Percebi que todos me olhavam.
Saí da casa, atravessei a rua e,
inconscientemente, fui em direção ao antigo terreno do circo. Boa parte dele já
havia sido vendido e agora eram casas ou barracões, e a mangueira que
costumávamos subir já não existia mais havia tempo. Chegando lá não sabia o que
fazer, me sentindo perdido.
E agora? - Pensava. - Saber que
alguém pode nos deixar e essa pessoa nos deixar era algo muito diferente. Por
mais que alguém possa estar preparado para isso é impossível não sentir o
impacto no peito, a nebulosidade na mente, o vazio na alma... Aquilo não era
justo! Não podia acontecer! - E, no meio da minha revolta, pensei: Se eu estou
assim como estará o vô Tonico? E minha mãe e tios? E todas as outras pessoas
que amavam a vó Cotinha tanto quanto eu? - E percebi o quão egoísta estava
sendo, e decidi voltar. Mal iniciei meu retorno e pude ver outras figuras se
aproximando. Eram meus primos, João, André e Manezinho. Todos com os olhos
inchados. Se aproximaram em silêncio e nos abraçamos, como quando éramos
crianças e queríamos elaborar nossos planos, mas dessa vez sem planos. Não
havia planos para a morte. E choramos muito.
_ Temos que voltar Leo. – Disse o
João, rompendo o silêncio.
Apenas concordei com a cabeça e
começamos a caminhada, ainda abraçados. Nos aproximando da casa vi que o
Cleber, o Hugo e o Mário estavam ali. Me desprendi dos meus primos e me dirigi
a eles.
_ Meus sentimentos Leo. – Disse o
Cleber.
_ Foda cara. Nem conheci seus
avós, mas deve ser foda. – Falou o Mário.
O Hugo se aproximou e me abraçou.
Mal conseguia falar ao perceber minha tristeza.
_ Força Leo. Nós estamos aqui
para o que for preciso. Para isso servem os amigos.
Chorei mais. Agradeci os três e
indiquei que iria entrar. Quando me afastei deles senti me tocarem o ombro.
_ Leo?
Me virei e vi que eram o Tomás e
o Sidnei. Aquilo me surpreendeu.
_ A gente sabe o quanto você
gostava deles. Meus sentimentos. – Disse o Sidnei.
_ Minha família também manda
sentimentos. – Falou o Tomás. – Se precisar de algo pode contar com a gente
Dei um abraço nos dois sem dizer
nada. Não sabia o que dizer. Teria nossa amizade realmente acabado ou ela
estava apenas adormecida, mas sempre ali? Teria eu feito o mesmo se tivesse
sido a vó do Tomás a falecer? Minha cabeça ficou mais confusa ainda, mas logo
tais pensamentos se dissiparam ao perceber com o canto dos olhos uma presença,
e ao olhar pude ver o Vini, do outro lado da rua. Apenas fez um aceno com a
cabeça e se afastou. Decidi entrar de vez, agora mais calmo, mas com a cabeça
ainda confusa. Muito mais.
Decidi procurar minha mãe, e ela
estava ao lado do vô Tonico, junto com os outros tios. No caminha encontrei a
Michele e a Milena, a Cássia e o Juninho, meus primos filhos da tia Matilde, os
dois filhos do tio Osório que não via há muito tempo também estavam lá, assim
como o Humberto. Cumprimentei a todos, mas não chorando mais e sim com certo
sentimento de alegria, pois a vó Cotinha, apesar da situação, havia reunido
toda a família, e ela merecia uma grande homenagem. Cheguei próximo à minha mãe
e meu avô, segurando suas mãos. Os primos também se aproximaram, e percebi que
o Silvinho e o Jonatan estavam presentes. Família e amigos. Amigos que são
família e família que são amigos. Eu estaria completo se não fosse a ausência
da Vó Cotinha.
_ Se despeça dela Leo. – Pediu o
Vô Tonico.
Respirei fundo e me aproximei do
corpo da vó Cotinha. Vi seu rosto que já não era seu, e toquei em sua mão
gelada que não era mais a mesma dos bolos e sopinhas de pão.
_ Obrigado vó. – Falei bem
baixinho, quase em pensamento. – Certamente você me fez uma pessoa melhor. Na
sua ausência levarei seus ensinamentos, sua alegria, seu amor e seu carinho.
Nunca me esquecerei de você e a forma de demonstrar isso será procurando tratar
a todos da mesma forma que você tratava todos, sempre com um sorriso no rosto e
a paz no coração. Te amo.
Dei um leve beijo na já não sua
bochecha e voltei ao meu avô e minha mãe. Eu já não mais chorava e até esboçava
um leve sorriso nos lábios. Meu pai estava certo: era um momento de despedida.
Só não consegui segurar o choro no momento em que fecharam o caixão para o
enterro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário