sexta-feira, 28 de março de 2014

Aos Meus Amigos - 9 (Parte II)


O João nos acordou por volta das dez. A dor de cabeça era enorme, apesar de não estarmos enjoados. A primeira coisa que fiz foi olhar para o Marinho, que estava do mesmo jeito de quando chegamos.
_ Cara! Hoje é o dia do lual, hehehe. – Disse ele.
_ Mas antes temos o dia todo. É bom nos recuperarmos para o esquenta. – Falou o João.
Como na escola agrícola tinha ovo à vontade o Bernardo fez uma omelete para nós, com basicamente só ovo e cheiro verde, mas estava muito gostoso. O leite também era tirado direto da vaca. Todos estavam normais, só eu estava estranho.
_ Que foi Leo? – Perguntou o João.
_ Nada não. Só a ressaca. – Disfarcei, dando uma olhada no Marinho.
_ Se quiser podemos dar uma volta no campus. Vai tá bem vazio por ser sábado, mas é legal vocês conhecerem como é uma faculdade.
Aquilo me animou e começamos a nos arrumar. Nem o Bernardo e nem o Marinho foram, e o campus era bem ao lado da escola mesmo, de modo que o curso que o João fazia, apesar de ser colegial, pertencia à faculdade, que tinha curso de agronomia.
_ Aquele prédio lá são as salas de aula, e aquele maior é a biblioteca. – Nos mostrava o João. – Às vezes temos que ir estudar lá pra fazer uns trabalhos mais difíceis.
_ Que massa! – Me entusiasmei. – Meu irmão presta vestibular esse ano. Será que vai pra um lugar assim?
_ Sei irmão é CDF e quer essas coisas de computador, Leo. – Disse o Manezinho. – Certeza que a faculdade que ele quer não tem agronomia.
Ainda assim fiquei viajando na ideia de visita-lo numa faculdade daquele porte, mesmo que não nos déssemos tão bem.
_ Ali é o setor de veterinária. É a ala que mais tem mulher.
_ Vamos lá então! – Empolgou o André.
_ Não deve ter ninguém lá agora. Eu estou levando vocês para a cantina, mas se quiserem ir tudo bem.
Como nem teria garotas nem fomos.
Na cantina tinha pouca gente, mais um pessoal que morava nos alojamentos da própria faculdade. Nos sentamos e o João pegou uma garrafa média de refrigerante, que dividimos enquanto ele nos falava de lá.
_ Aqui é bem tranquilo, mas é bem legal. Geralmente não temos contato com o pessoal da faculdade, mas sempre que tem festa procuramos aproveitar. Claro que ninguém nem liga pra gente, e só o Bernardo pegou uma garota mais velha uma vez. E vocês precisam ver as festas. É muita farra. Como muita gente que estuda aqui mora longe de casa isso permite que eles aprontem um monte, e o povo da agronomia é maluco. Outro dia estavam rodando pelas ruas com uma caminhonete com uma piscina na carroceria, cheio de meninas dentro junto com uns caras, bebendo um monte. Tudo maluco. Mas uma coisa que você acaba vendo um monte aqui também são drogas. Maconha fumam como se fosse cigarro normal, e as vezes se vê uma galera cheirando cocaína também.
_ E o que você faz quando vê essas coisas? – Perguntei.
_ Leo, acaba sendo tão comum que a gente se acostuma. No começo me assustava, agora não. E se oferecerem é só recusar. São tudo gente boa. O Marinho mesmo fuma todo dia e é super gente fina.
Então ele sabia, pensei. E aquilo ficou na minha cabeça: quando o Sidnei e o Tomás deixaram de falar comigo foi por me pegarem fumando, e fiquei puto pela forma como me julgaram e julgavam a turma do André, e agora eu estava agindo do mesmo jeito. Realmente, o Marinho era gente boa. E se eu não soubesse que ele fumava maconha continuaria a achar isso. Acho que eu deveria desculpas a ele.
_ Bem, vamos voltar? Temos que comprar as coisas para o almoço e o esquenta.
_ Deixa eu adivinhar: - Disse o Manezinho. – O almoço vai ser macarronada.
_ Hehehe. Isso mesmo.
_ E para o esquenta? – Quis saber o André.
_ Acho que vamos de vodca com iogurte.
É. A noite prometia.
Chegando ao alojamento o Bernardo se propôs a ir ao mercado, já que tínhamos ido no dia anterior, e perguntou se alguém queria ir com ele.
_ Eu vou. – Disse o André.
Olhei para ele, estranhando, e ele fez um sinal com a mão de que iria fumar um cigarro, então decidi ir junto.
_ Não quer ir também Marinho? – Perguntei, meio que tentando me redimir comigo mesmo pelo que havia pensado sobre ele.
_ Não. Tô de boa, hehehe. – Respondeu, mostrando um cigarro de maconha que provavelmente fumaria logo. Dessa vez achei graça, e saímos.
_ O João disse que você já pegou uma das garotas da faculdade. – Puxei assunto.
_ Pois é. Tive sorte. Era uma gostosa.
_ E ficaram só no beijinho? – Se interessou o André.
_ Que nada. Essa mulherada da faculdade é tudo fogueteira.
_ Conta pra gente então.
_ Era uma festa junina do campus, e tava lotado. Fui com o João, o Marinho e mais três amigos do alojamento vizinho. A festa estava uma loucura, todo mundo bebendo e dançando e se divertindo, quando essa louca me puxou pelo braço pra dançar. As amigas dela ficaram rindo e ela perguntou que curso eu fazia. Nem pensei e respondi agronomia. Cara, nisso ela já me deu um beijão na boca e pediu que eu a levasse embora. Essa é a parte doida, pois a galera da agronomia tem muita grana na maioria das vezes, possuindo cada carrão. Então disse que aquela noite estava sem carro e dormiria no alojamento dos técnicos agrícolas com meu irmão, dá pra acreditar? E ela quis ver onde era. Então a levei para o nosso próprio alojamento e a comi na minha cama mesmo, hahahaha.
_ E ela não descobriu depois?
_ É. Ela se tocou quando viu minha carteirinha de estudante na escrivaninha, mas nem ficou brava. Deu risada, disse que eu era um mentiroso fofo e foi embora antes da festa no campus acabar. Foi bem massa.
Aquilo só deixou o André e eu mais loucos ainda. Quem sabe não teríamos uma sorte daquela à noite?
Compramos as coisas no mercado e na saída o André se arriscou:
_ Bernardo, se eu comprar um cigarro você jura que não fala nada pro João?
_ Tenho certeza que o João não ligaria, mas se é isso que você quer, ok.
Compramos um maço e fizemos o caminho de volta, conversando e fumando. Estávamos encantados com essa vida de morar fora para estudar, mas nem o André e nem eu sabíamos o que queríamos em termos de estudos.
_ Eu não pensava em fazer faculdade, mas vendo como é da hora tô repensando, viu? – Disse o André.
_ Eu quero fazer, mas não sei o que. Meus pais vivem me cobrando pra decidir logo. E pra piorar meu irmão já sabe o que quer desde que era criança. – Desabafei.
Quando estávamos chegando ao alojamento vimos o carro do tio Mané parado na frente, o que estranhamos, pois ele só deveria vir no dia seguinte depois do almoço.
_ Aquele é o carro do pai do João, não é? – Perguntou o Bernardo.
_ É sim. Que estranho. – Respondi.
_ Toma. Leva a sacola com as coisas para o macarrão. Vou esconder as bebidas e já vou.
O André e eu colocamos uma bala na boca para disfarçar o cheiro do cigarro e nos dirigimos ao alojamento. Ao entrarmos encontramos o João e o Manezinho chorando.
_ O que foi tio? O que aconteceu?
_ Vim buscar vocês, Leo. A vó Cotinha morreu...
Não conseguia ouvir mais nada. Vi a boca do tio Mané se mexer, tentando nos acalmar, mas não ouvia nada. Meio que no automático, arrumamos nossas coisas chorando e fomos embora. Nem nos despedimos do Marinho e do Bernardo.

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