O programa do
Valdomiro seria só no final da tarde, de modo que passei mais um dia à toa
perambulando no campus. Aproveitei para fuçar em alguns livros na biblioteca e
circular pela área de anfiteatros, onde ocorriam alguns eventos. Cheguei até a
assistir uma palestra sobre um filósofo alemão da qual não entendi direito, mas,
o que entendi, achei bem legal.
_ Vamos? –
Chamou meu irmão ao sair da última aula.
_ Opa!
E nos dirigimos
para um dos prédios da universidade onde ficava a rádio. Achei bem legal isso,
ter uma rádio da própria universidade.
Pela primeira
vez entrei num estúdio de rádio: uma sala toda forrada com espumas para não
deixar o som entrar ou sair e vidros a prova de som que separavam os ambientes.
Dentro, o Valdomiro, meu irmão, eu e mais dois caras com roupas parecidas com
as do meu irmão. Atrás do vidro o técnico de som, que se comunicava com o
Valdomiro por um microfone enquanto rolava música, de modo que uma luz indicava
quando estávamos no ar.
No início da
transmissão o Valdomiro fez a abertura de sempre e apresentou os convidados do
dia, dizendo até meu nome ao vivo. Fiquei me sentindo muito importante, quase
não acreditando. Durante as músicas em sequência todos se juntavam do lado de
fora para fumar, e me surpreendeu quando o Lourenço tirou um maço de cigarros
do bolso do casaco e acendeu um.
_ Se você falar
pros pais eu te mato.
_ Fica
tranquilo! – Respondi, tirando meu maço de cigarros e acendendo um também.
Ele pareceu
surpreso, mas também aliviado.
Ali ouvi muita
música incrível. Meu irmão sempre gostou de rock, coisa que eu até achava legal,
mas nunca tinha dado muita bola, até aquele dia. Bandas que nunca tinha ouvido
falar, grupos com sons fantásticos, toques de guitarras e solos de bateria...
sai de lá com uma certeza: o rock não era um gosto, e sim uma necessidade.
Aquilo tinha realmente transformado meu gosto musical. Para sempre.
_ VAI LORDE!
VIRA MAIS UM! – Gritavam todos na mesa do bar, e meu irmão virava grandes
canecas de cerveja de uma vez, deixando escorrer fios da bebida por sua barba.
Ao término, batia com tudo a caneca na mesa.
_ Já sabe que
se quebrar a caneca ou a mesa vai ter que pagar, né Lorde? – Dizia o Zé, dono
do bar.
Estávamos no Zé
do Rock, barzinho onde sempre se encontravam depois dos programas. O Zé, como
toda a turma, era apaixonado por rock, então deixava vinis de grandes bandas
tocando ao fundo enquanto a galera se deliciava com suas cervejas na caneca.
Meu irmão já estava muito bêbado. Eu também, mas ele mais devido aos pedidos
para que virasse suas canecas.
_ Seu irmão é
muito maluco. – Dizia uma garota que estava com a turma. Era uma gatinha.
_ Mais uma
rodada, Zé!
E a noite
prosseguia, até várias horas. Nem me lembro como chegamos na república. E se
foi mais um dia. O terceiro.
_ Lourenço?
Lourenço?
Batia na porta
do seu quarto por volta da uma da tarde. Nenhuma resposta.
_ Geralmente
ele dorme até umas cinco quando chega daquele jeito. – Disse o Fabrício.
_ Até as cinco?
– Me espantei. – Mas ele não tem aula?
_ Cara, seu
irmão não acorda por nada. Nem adianta insistir.
Fui pra fora,
desanimado. O Fred veio até mim esperando um carinho. Acendi um cigarro e
fiquei por ali.
_ Leo, nós
vamos comer algo no shopping. Quer ir? – Disse o Rodrigo.
_ Opa, vamos
sim.
Pelo menos
faria algo. Deixei um bilhete e fui com eles.
Passear no
shopping foi legal, mas tinha sido mais um dia perdido. Quando meu irmão
acordou estava tão mal que não quis fazer nada. Droga...
Último dia. Na
manhã seguinte voltaríamos para nossa cidade. Aquele dia eu queria aproveitar.
_ Vamos fazer
algo hoje, né? Ontem foi uma bosta. – Reclamei.
_ Vai ter uma
festa da faculdade. Acho que você vai gostar.
_ É bom mesmo.
Fiquei na casa
enquanto ele foi para a universidade. Li quadrinhos e assisti televisão. Quando
chegou já fui apressando:
_ Que horas é a
festa? Meu último dia aqui, quero aproveitar.
_ Vou tomar um
banho, comemos algo e vamos.
Realmente foi
assim.
A festa era
numa grande quadra de esportes. Um palco por onde se revezavam bandas e muita
gente de todo tipo. Fomos com o pessoal da república.
_ Leo, só toma
cuidado. Como é uma festa aberta tem gente de todo tipo, e não só
universitários. – Disse meu irmão.
_ Fica
tranquilo. – Respondi.
Caminhávamos
juntos, mas de tempo em tempo alguém saia para algo, como falar com alguém, ir
ao banheiro ou comprar alguma coisa. Latas de cerveja eram esvaziadas no
processo, assim como cigarros e mais cigarros agora que não tinha mais o medo
do meu irmão ficar sabendo.
_ Essa banda é
massa. Vamos lá na frente.
E ficávamos
curtindo os sons, na maioria rock, até que outra banda menos interessante
subisse ao palco. E voltávamos a caminhar, paquerando e vendo o povo esquisito
e chapado que se espalhava pela festa. Eu já estava bem torto.
_ Vou mijar. –
Anunciei.
_ Ok, mas
cuidado.
_ Tá, tá, tá! –
E sai.
Fui até o
banheiro onde uma fila esperava sua vez. O banheiro estava um nojo, com o chão
todo molhado e papel higiênico por todo lado. Fiquei esperando enquanto matava
minha lata de cerveja.
Depois da
mijada comecei a andar meio sem rumo, vendo o movimento, e um grupo de garotas
dançava um pop em frente ao palco. Já embriagado, me aproximei e comecei a
dançar, sozinho. Aos poucos a roda foi se abrindo e fui me enfiando nela.
_ Massa esse
som, né? – Disse uma das meninas. Não era muito bonita, mas àquela altura
estava ótimo.
Parei para
ouvir direito a música e a reconheci. Era de uma banda cujo vocalista havia se
matado com um tiro na cabeça há pouco tempo. Eu não gostava muito, mas era
febre entre bastante gente.
_ É legal. –
Respondi.
_ Nós somos
super fãs dessa banda. O vocalista era muito foda. Pena que se matou.
Aí me veio uma
piada que achei que seria genial na hora, e a soltei:
_ Sabe por que
ele deu um tipo na própria cabeça?
_ Hã? Não, por
que?
_ Porque
resolveu ouvir sua música enquanto estava são, achou uma bosta e se matou,
hahahahaha!
_ Idiota! Vamos
meninas, esse cara é um cretino. – E saíram.
Droga! Achei
que aquilo seria engraçado.
Acendi um
cigarro e peguei mais uma cerveja, e pouco depois outra banda subiu ao palco.
Nem lembrava de procurar meu irmão. A banda começou e era um punk rock bem
pesado, coisa violenta mesmo. Nunca tinha ouvido algo parecido. Aos poucos
foram se juntando grupos em frente ao palco que pulavam e se trombavam uns aos
outros. Achei aquilo muito massa. Matei a cerveja e resolvi me juntar àquela
loucura. Todos pareciam muito animados. Comecei a imitá-los, chacoalhando os
braços como que dando cotoveladas e pequenos chutes no ar. Sempre recebia e dava
esbarrões, e era muito divertido, estava pirando.
_ O que você
pensa que está fazendo??? – Senti meu irmão me puxando.
_ Tô curtindo,
ué!
_ Vem cá.
Agora!
E me puxou para
fora da roda de punk.
_ Você tá
ficando louco! Esses caras vão te arrebentar! – Ele dizia, assustado.
_ Que nada, é
super legal. Vou voltar lá.
_ Leo, não vai
não! Eles vão te machucar.
_ Deixa de ser
bundão, Lou. Os caras são gente boa. – E fui saindo, voltando para frente do
palco.
_ Depois não
diga que não avisei.
Nem dei bola.
Comecei a
dançar novamente, dando esbarrões e trombadas. Tudo ok, até que iniciaram outra
música, mais pesada ainda.
_ ÚHUUUUU!!! AÍ
SIM!!! – alguns gritaram, e a coisa começou a ficar mais violento.
Trombavam uns
nos outros de modo que a toda hora alguém ia para o chão, tendo dificuldades de
levantar. Fiquei preocupado, mas não parei. Comecei a me afastar do meio,
ficando mais às laterais. Cada vez mais o centro ficava vazio, restando apenas
uns caras bem malucos lá, que pareciam que iam se matar. Em certo momento, um
desses caras vem pra minha direção, sem controle, levanta um dos pés e o desce
com tudo na parte de cima da minha coxa. Cara! Doeu pra caramba. Resolvi sair
da roda.
_ Machucou? –
Perguntou meu irmão.
O Rodrigo e o
Fabrício davam muita risada.
_ Não. Cansei
só.
_ Cansou? Sei?
_ Vou pegar uma
cerveja...
Ao acordar não
me lembrava direito como havia chegado na república, de novo, mas minha coxa
doía, e bastante.
_ Vai logo,
Leo. Arruma suas coisas que o Fabrício vai nos levar pra rodoviária.
Fui o caminho
inteiro quieto, com uma puta ressaca enquanto eles tiravam sarro de mim. Não
tinha forças nem pra responder.
Nos despedimos
do Fabrício, agradeci com as poucas palavras que consegui e entramos no ônibus.
Fui desmaiado quase que o caminho todo.
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