segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Aos Meus Amigos - 22 (Parte II)

O programa do Valdomiro seria só no final da tarde, de modo que passei mais um dia à toa perambulando no campus. Aproveitei para fuçar em alguns livros na biblioteca e circular pela área de anfiteatros, onde ocorriam alguns eventos. Cheguei até a assistir uma palestra sobre um filósofo alemão da qual não entendi direito, mas, o que entendi, achei bem legal.
_ Vamos? – Chamou meu irmão ao sair da última aula.
_ Opa!
E nos dirigimos para um dos prédios da universidade onde ficava a rádio. Achei bem legal isso, ter uma rádio da própria universidade.
Pela primeira vez entrei num estúdio de rádio: uma sala toda forrada com espumas para não deixar o som entrar ou sair e vidros a prova de som que separavam os ambientes. Dentro, o Valdomiro, meu irmão, eu e mais dois caras com roupas parecidas com as do meu irmão. Atrás do vidro o técnico de som, que se comunicava com o Valdomiro por um microfone enquanto rolava música, de modo que uma luz indicava quando estávamos no ar.
No início da transmissão o Valdomiro fez a abertura de sempre e apresentou os convidados do dia, dizendo até meu nome ao vivo. Fiquei me sentindo muito importante, quase não acreditando. Durante as músicas em sequência todos se juntavam do lado de fora para fumar, e me surpreendeu quando o Lourenço tirou um maço de cigarros do bolso do casaco e acendeu um.
_ Se você falar pros pais eu te mato.
_ Fica tranquilo! – Respondi, tirando meu maço de cigarros e acendendo um também.
Ele pareceu surpreso, mas também aliviado.
Ali ouvi muita música incrível. Meu irmão sempre gostou de rock, coisa que eu até achava legal, mas nunca tinha dado muita bola, até aquele dia. Bandas que nunca tinha ouvido falar, grupos com sons fantásticos, toques de guitarras e solos de bateria... sai de lá com uma certeza: o rock não era um gosto, e sim uma necessidade. Aquilo tinha realmente transformado meu gosto musical. Para sempre.

_ VAI LORDE! VIRA MAIS UM! – Gritavam todos na mesa do bar, e meu irmão virava grandes canecas de cerveja de uma vez, deixando escorrer fios da bebida por sua barba. Ao término, batia com tudo a caneca na mesa.
_ Já sabe que se quebrar a caneca ou a mesa vai ter que pagar, né Lorde? – Dizia o Zé, dono do bar.
Estávamos no Zé do Rock, barzinho onde sempre se encontravam depois dos programas. O Zé, como toda a turma, era apaixonado por rock, então deixava vinis de grandes bandas tocando ao fundo enquanto a galera se deliciava com suas cervejas na caneca. Meu irmão já estava muito bêbado. Eu também, mas ele mais devido aos pedidos para que virasse suas canecas.
_ Seu irmão é muito maluco. – Dizia uma garota que estava com a turma. Era uma gatinha.
_ Mais uma rodada, Zé!
E a noite prosseguia, até várias horas. Nem me lembro como chegamos na república. E se foi mais um dia. O terceiro.

_ Lourenço? Lourenço?
Batia na porta do seu quarto por volta da uma da tarde. Nenhuma resposta.
_ Geralmente ele dorme até umas cinco quando chega daquele jeito. – Disse o Fabrício.
_ Até as cinco? – Me espantei. – Mas ele não tem aula?
_ Cara, seu irmão não acorda por nada. Nem adianta insistir.
Fui pra fora, desanimado. O Fred veio até mim esperando um carinho. Acendi um cigarro e fiquei por ali.
_ Leo, nós vamos comer algo no shopping. Quer ir? – Disse o Rodrigo.
_ Opa, vamos sim.
Pelo menos faria algo. Deixei um bilhete e fui com eles.
Passear no shopping foi legal, mas tinha sido mais um dia perdido. Quando meu irmão acordou estava tão mal que não quis fazer nada. Droga...

Último dia. Na manhã seguinte voltaríamos para nossa cidade. Aquele dia eu queria aproveitar.
_ Vamos fazer algo hoje, né? Ontem foi uma bosta. – Reclamei.
_ Vai ter uma festa da faculdade. Acho que você vai gostar.
_ É bom mesmo.
Fiquei na casa enquanto ele foi para a universidade. Li quadrinhos e assisti televisão. Quando chegou já fui apressando:
_ Que horas é a festa? Meu último dia aqui, quero aproveitar.
_ Vou tomar um banho, comemos algo e vamos.
Realmente foi assim.
A festa era numa grande quadra de esportes. Um palco por onde se revezavam bandas e muita gente de todo tipo. Fomos com o pessoal da república.
_ Leo, só toma cuidado. Como é uma festa aberta tem gente de todo tipo, e não só universitários. – Disse meu irmão.
_ Fica tranquilo. – Respondi.
Caminhávamos juntos, mas de tempo em tempo alguém saia para algo, como falar com alguém, ir ao banheiro ou comprar alguma coisa. Latas de cerveja eram esvaziadas no processo, assim como cigarros e mais cigarros agora que não tinha mais o medo do meu irmão ficar sabendo.
_ Essa banda é massa. Vamos lá na frente.
E ficávamos curtindo os sons, na maioria rock, até que outra banda menos interessante subisse ao palco. E voltávamos a caminhar, paquerando e vendo o povo esquisito e chapado que se espalhava pela festa. Eu já estava bem torto.
_ Vou mijar. – Anunciei.
_ Ok, mas cuidado.
_ Tá, tá, tá! – E sai.
Fui até o banheiro onde uma fila esperava sua vez. O banheiro estava um nojo, com o chão todo molhado e papel higiênico por todo lado. Fiquei esperando enquanto matava minha lata de cerveja.
Depois da mijada comecei a andar meio sem rumo, vendo o movimento, e um grupo de garotas dançava um pop em frente ao palco. Já embriagado, me aproximei e comecei a dançar, sozinho. Aos poucos a roda foi se abrindo e fui me enfiando nela.
_ Massa esse som, né? – Disse uma das meninas. Não era muito bonita, mas àquela altura estava ótimo.
Parei para ouvir direito a música e a reconheci. Era de uma banda cujo vocalista havia se matado com um tiro na cabeça há pouco tempo. Eu não gostava muito, mas era febre entre bastante gente.
_ É legal. – Respondi.
_ Nós somos super fãs dessa banda. O vocalista era muito foda. Pena que se matou.
Aí me veio uma piada que achei que seria genial na hora, e a soltei:
_ Sabe por que ele deu um tipo na própria cabeça?
_ Hã? Não, por que?
_ Porque resolveu ouvir sua música enquanto estava são, achou uma bosta e se matou, hahahahaha!
_ Idiota! Vamos meninas, esse cara é um cretino. – E saíram.
Droga! Achei que aquilo seria engraçado.
Acendi um cigarro e peguei mais uma cerveja, e pouco depois outra banda subiu ao palco. Nem lembrava de procurar meu irmão. A banda começou e era um punk rock bem pesado, coisa violenta mesmo. Nunca tinha ouvido algo parecido. Aos poucos foram se juntando grupos em frente ao palco que pulavam e se trombavam uns aos outros. Achei aquilo muito massa. Matei a cerveja e resolvi me juntar àquela loucura. Todos pareciam muito animados. Comecei a imitá-los, chacoalhando os braços como que dando cotoveladas e pequenos chutes no ar. Sempre recebia e dava esbarrões, e era muito divertido, estava pirando.
_ O que você pensa que está fazendo??? – Senti meu irmão me puxando.
_ Tô curtindo, ué!
_ Vem cá. Agora!
E me puxou para fora da roda de punk.
_ Você tá ficando louco! Esses caras vão te arrebentar! – Ele dizia, assustado.
_ Que nada, é super legal. Vou voltar lá.
_ Leo, não vai não! Eles vão te machucar.
_ Deixa de ser bundão, Lou. Os caras são gente boa. – E fui saindo, voltando para frente do palco.
_ Depois não diga que não avisei.
Nem dei bola.
Comecei a dançar novamente, dando esbarrões e trombadas. Tudo ok, até que iniciaram outra música, mais pesada ainda.
_ ÚHUUUUU!!! AÍ SIM!!! – alguns gritaram, e a coisa começou a ficar mais violento.
Trombavam uns nos outros de modo que a toda hora alguém ia para o chão, tendo dificuldades de levantar. Fiquei preocupado, mas não parei. Comecei a me afastar do meio, ficando mais às laterais. Cada vez mais o centro ficava vazio, restando apenas uns caras bem malucos lá, que pareciam que iam se matar. Em certo momento, um desses caras vem pra minha direção, sem controle, levanta um dos pés e o desce com tudo na parte de cima da minha coxa. Cara! Doeu pra caramba. Resolvi sair da roda.
_ Machucou? – Perguntou meu irmão.
O Rodrigo e o Fabrício davam muita risada.
_ Não. Cansei só.
_ Cansou? Sei?
_ Vou pegar uma cerveja...

Ao acordar não me lembrava direito como havia chegado na república, de novo, mas minha coxa doía, e bastante.
_ Vai logo, Leo. Arruma suas coisas que o Fabrício vai nos levar pra rodoviária.
Fui o caminho inteiro quieto, com uma puta ressaca enquanto eles tiravam sarro de mim. Não tinha forças nem pra responder.

Nos despedimos do Fabrício, agradeci com as poucas palavras que consegui e entramos no ônibus. Fui desmaiado quase que o caminho todo.

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