segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 5

(Não acompanhou desde o começo? Então aproveite 

O tio Mané adorava pescar. Vez por outra nos levava à beira do rio nos fins de semana para pescarmos traíra ou arrumava um barco a remo para pescarmos corvina no meio do rio. Mas a diversão mesmo era quando ele organizava os acampamentos.
Íamos para uma fazenda de uma conhecida dele numa cidade vizinha, à beira do rio represado. Não tinha energia elétrica, banheiro ou qualquer tipo de luxo. Éramos nós e a natureza. A barraca era uma lona de caminhão estendida sobre uma armação de madeira que montávamos ao chegar. Às vezes dormíamos em redes estendidas entre as árvores também, mas só quando estava muito calor. Geralmente íamos o vô Tonico, o tio Mané com os dois filhos, o André, depois que perdeu o medo do escuro, meu pai, eu e às vezes meu irmão. De vez em quando ia algum amigo do tio Mané também.
Além de pescar, sempre tinha alguns afazeres, como buscar lenha para a fogueira e recolher o lixo para não deixar nada espalhado pela natureza. Nunca levávamos gelo, de modo que as bebidas eram mantidas frescas deixando dentro da água do rio, presas a uma cordinha. Para as necessidades tínhamos que nos afastar, abrir um buraco com a enxada e depois tapar tudo certinho. À noite costumávamos queimar bosta de vaca seca para espantar os pernilongos, que eram muitos. Em volta da fogueira contávamos histórias de terror e piadas, onde todos participavam. Numa das noites, o tio Mané propôs um campeonato de peidos: quem desse o peido mais alto ganhava. Todos se esforçavam muito, saindo alguns caprichados, mas o vencedor foi meu pai. O duro foi que acabou melando a cueca na brincadeira. No dia seguinte era aquela tiração de sarro ao ver a cueca dele pendurada na corda improvisada de varal.
Num dos lugares onde armamos o acampamento estava com um cheiro muito forte de carniça, e começamos a procurar de onde vinha. Logo encontramos um burro morto, dentro de um buraco.
_ Francisco, vamos tirar gasolina do carro e tacar fogo nesse burro. – Disse o tio Mané ao meu pai.
_ Não sei não! Acho que não vai prestar. É melhor mudar o acampamento. – Foi o conselho dado pelo vô Tonico.
_ Que isso, pai. É só tacar fogo que logo o cheiro passa.
O vô Tonico tinha razão, era melhor ter mudado de acampamento. O burro ficou queimando a noite toda, de modo que além do cheiro de carniça continuar, ficava um cheiro de queimado horrível, e todo mundo estava incomodado.
Os adultos sempre levavam umas pingas para tomarem durante a noite, enquanto papeávamos ao redor da fogueira, e o tio Mané já estava um pouco pra lá do normal quando anunciou:
_ Vou dar uma cagada.
Era assim mesmo o tio Mané, nunca teve papas na língua, sempre falando muita besteira e palavrões, o que nos divertia muito. E lá foi ele, com a enxada numa mão e o papel higiênico na outra. Foi até um local não muito longe, arriou as calças e começou a cagar. O cheiro da bosta chegou no seu nariz, junto com o cheiro do burro queimado e a cachaça na barriga e na cabeça e não deu outra: começou a vomitar. Conforme vomitava estando de cócoras mais saia merda e mais forte ficava o cheiro, vomitando mais. Era um ciclo. Tempo depois vem o tio Mané, abatido.
_ É! Acho que vou dormir...
_ Que aconteceu, Mané? – Pergunta meu pai.
_ O cheiro do burro entrou na minha merda e não aguentei o cheiro e vomitei um monte.
Foi só risada de todos.

A noite seguinte estava linda. Uma lua cheia num céu estrelado refletindo na água do rio. Já não tinha mais cheiro de burro e havíamos pegado alguns tucunarés, que assávamos na fogueira.
_ Tá precisando de mais lenha, Leo. Vão lá buscar.
Um pedido do vô Tonico era sempre uma ordem gostosa de cumprir. João, Manezinho, André e eu já nos levantamos e fomos pegar o lampião para procurar lenha. O Manezinho carregava o lampião, o João levava um facão e o André e eu recolhíamos gravetos do chão enquanto procurávamos madeiras secas maiores.
_ Será que tem mesmo lobisomem por aqui? – Era a preocupação do Manezinho, referindo-se às histórias que meu pai havia contado na noite anterior.
_ Deixa disso, Manezinho. O tio Francisco só contou uma história. – Procurou acalmar João.
_ Mas e se tiver? – Insistia Manezinho, que era o mais novo de nós.
_ Aí a gente taca pedra nele e usa o facão. Depois sai correndo. – Era o plano do André, tão confiante.
Para quem não conhece, o lampião a gás tem uma redinha chamada camisinha para conter o gás incandescente e iluminar, e é bem comum a camisinha pegar fogo se estiver mal colocada. Caminhamos pela mata, todos em silêncio, pensativos quanto às nossas reações no caso de aparecer um lobisomem. De repente, um barulho vindo do mato.
_ Que isso?
_ Você jogou alguma coisa lá, André? – O André era cheio de assustar a gente.
_ Eu não. Juro.
_ Vai iluminando que vou dar uma olhada, Manezinho.
E lá foi o João, à frente com o facão seguido de Manezinho com o lampião. O André e eu nos preparávamos para algo com pedras e paus nas mãos. De repente, a camisinha do lampião pega fogo, e ouve-se mais uma vez um barulho do mato. João grita:
_ Corre, gente, que eu vi um negócio peludo!
Foi aquela gritaria e correria em direção ao acampamento, deixando para trás as madeiras e o próprio lampião. Antes de chegarmos ao acampamento, meu pai, meu irmão, tio Mané e o vô Tonico já vinham em nossa direção, assustados.
_ Que foi? Alguma cobra?
_ Não. Tinha um negócio peludo no mato atrás de nós. – Disse o João.
_ Vocês viram coisas, seus medrosos. – Falou meu irmão, que não era muito de ficar com a gente,
_ Medrosos, é? Vai lá então! Todos nós vimos o bicho. – Falei.
_ Será que era o lobisomem, tio Francisco? – Perguntou assustado o Manezinho.
_ Isso não existe, Manezinho. Foi só uma história que inventei. Cadê o lampião que estava com vocês?
_ Eu deixei cair no chão lá atrás.
_ Tomara que não tenha quebrado o vidro, e deve estar vazando todo o gás. Vamos lá buscar, pai. – Disse o tio Mané.
Todos fomos atrás deles, morrendo de medo. Até meu irmão, que havia desconfiado, estava um pouco assustado. Chegando ao local, tio Mané pegou o lampião e desligou o gás, vendo que o vidro estava inteiro. Nisso, o vô Tonico foi andando mais à frente, em direção ao mato, apontando a lanterna à bateria.
_ Olha lá, todo mundo, mas vem em silêncio.
E lá estava o nosso bicho peludo, quieto e assustado no mato: uma linda capivara com alguns filhotinhos...

Quando voltamos para casa estávamos todos animados, cheio de histórias para contar.

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