(Não acompanhou desde o começo? Então aproveite
O tio Mané adorava pescar. Vez
por outra nos levava à beira do rio nos fins de semana para pescarmos traíra ou
arrumava um barco a remo para pescarmos corvina no meio do rio. Mas a diversão
mesmo era quando ele organizava os acampamentos.
Íamos para uma fazenda de uma
conhecida dele numa cidade vizinha, à beira do rio represado. Não tinha energia
elétrica, banheiro ou qualquer tipo de luxo. Éramos nós e a natureza. A barraca
era uma lona de caminhão estendida sobre uma armação de madeira que montávamos
ao chegar. Às vezes dormíamos em redes estendidas entre as árvores também, mas
só quando estava muito calor. Geralmente íamos o vô Tonico, o tio Mané com os
dois filhos, o André, depois que perdeu o medo do escuro, meu pai, eu e às
vezes meu irmão. De vez em quando ia algum amigo do tio Mané também.
Além de pescar, sempre tinha
alguns afazeres, como buscar lenha para a fogueira e recolher o lixo para não
deixar nada espalhado pela natureza. Nunca levávamos gelo, de modo que as
bebidas eram mantidas frescas deixando dentro da água do rio, presas a uma
cordinha. Para as necessidades tínhamos que nos afastar, abrir um buraco com a
enxada e depois tapar tudo certinho. À noite costumávamos queimar bosta de vaca
seca para espantar os pernilongos, que eram muitos. Em volta da fogueira
contávamos histórias de terror e piadas, onde todos participavam. Numa das
noites, o tio Mané propôs um campeonato de peidos: quem desse o peido mais alto
ganhava. Todos se esforçavam muito, saindo alguns caprichados, mas o vencedor
foi meu pai. O duro foi que acabou melando a cueca na brincadeira. No dia
seguinte era aquela tiração de sarro ao ver a cueca dele pendurada na corda
improvisada de varal.
Num dos lugares onde armamos o
acampamento estava com um cheiro muito forte de carniça, e começamos a procurar
de onde vinha. Logo encontramos um burro morto, dentro de um buraco.
_ Francisco, vamos tirar gasolina
do carro e tacar fogo nesse burro. – Disse o tio Mané ao meu pai.
_ Não sei não! Acho que não vai
prestar. É melhor mudar o acampamento. – Foi o conselho dado pelo vô Tonico.
_ Que isso, pai. É só tacar fogo
que logo o cheiro passa.
O vô Tonico tinha razão, era
melhor ter mudado de acampamento. O burro ficou queimando a noite toda, de modo
que além do cheiro de carniça continuar, ficava um cheiro de queimado horrível,
e todo mundo estava incomodado.
Os adultos sempre levavam umas
pingas para tomarem durante a noite, enquanto papeávamos ao redor da fogueira,
e o tio Mané já estava um pouco pra lá do normal quando anunciou:
_ Vou dar uma cagada.
Era assim mesmo o tio Mané, nunca
teve papas na língua, sempre falando muita besteira e palavrões, o que nos
divertia muito. E lá foi ele, com a enxada numa mão e o papel higiênico na
outra. Foi até um local não muito longe, arriou as calças e começou a cagar. O
cheiro da bosta chegou no seu nariz, junto com o cheiro do burro queimado e a
cachaça na barriga e na cabeça e não deu outra: começou a vomitar. Conforme
vomitava estando de cócoras mais saia merda e mais forte ficava o cheiro,
vomitando mais. Era um ciclo. Tempo depois vem o tio Mané, abatido.
_ É! Acho que vou dormir...
_ Que aconteceu, Mané? – Pergunta
meu pai.
_ O cheiro do burro entrou na
minha merda e não aguentei o cheiro e vomitei um monte.
Foi só risada de todos.
A noite seguinte estava linda.
Uma lua cheia num céu estrelado refletindo na água do rio. Já não tinha mais
cheiro de burro e havíamos pegado alguns tucunarés, que assávamos na fogueira.
_ Tá precisando de mais lenha,
Leo. Vão lá buscar.
Um pedido do vô Tonico era sempre
uma ordem gostosa de cumprir. João, Manezinho, André e eu já nos levantamos e
fomos pegar o lampião para procurar lenha. O Manezinho carregava o lampião, o
João levava um facão e o André e eu recolhíamos gravetos do chão enquanto
procurávamos madeiras secas maiores.
_ Será que tem mesmo lobisomem por
aqui? – Era a preocupação do Manezinho, referindo-se às histórias que meu pai
havia contado na noite anterior.
_ Deixa disso, Manezinho. O tio
Francisco só contou uma história. – Procurou acalmar João.
_ Mas e se tiver? – Insistia Manezinho,
que era o mais novo de nós.
_ Aí a gente taca pedra nele e
usa o facão. Depois sai correndo. – Era o plano do André, tão confiante.
Para quem não conhece, o lampião
a gás tem uma redinha chamada camisinha para conter o gás incandescente e
iluminar, e é bem comum a camisinha pegar fogo se estiver mal colocada. Caminhamos
pela mata, todos em silêncio, pensativos quanto às nossas reações no caso de
aparecer um lobisomem. De repente, um barulho vindo do mato.
_ Que isso?
_ Você jogou alguma coisa lá,
André? – O André era cheio de assustar a gente.
_ Eu não. Juro.
_ Vai iluminando que vou dar uma
olhada, Manezinho.
E lá foi o João, à frente com o
facão seguido de Manezinho com o lampião. O André e eu nos preparávamos para
algo com pedras e paus nas mãos. De repente, a camisinha do lampião pega fogo,
e ouve-se mais uma vez um barulho do mato. João grita:
_ Corre, gente, que eu vi um
negócio peludo!
Foi aquela gritaria e correria em
direção ao acampamento, deixando para trás as madeiras e o próprio lampião.
Antes de chegarmos ao acampamento, meu pai, meu irmão, tio Mané e o vô Tonico
já vinham em nossa direção, assustados.
_ Que foi? Alguma cobra?
_ Não. Tinha um negócio peludo no
mato atrás de nós. – Disse o João.
_ Vocês viram coisas, seus
medrosos. – Falou meu irmão, que não era muito de ficar com a gente,
_ Medrosos, é? Vai lá então!
Todos nós vimos o bicho. – Falei.
_ Será que era o lobisomem, tio
Francisco? – Perguntou assustado o Manezinho.
_ Isso não existe, Manezinho. Foi
só uma história que inventei. Cadê o lampião que estava com vocês?
_ Eu deixei cair no chão lá
atrás.
_ Tomara que não tenha quebrado o
vidro, e deve estar vazando todo o gás. Vamos lá buscar, pai. – Disse o tio
Mané.
Todos fomos atrás deles, morrendo
de medo. Até meu irmão, que havia desconfiado, estava um pouco assustado.
Chegando ao local, tio Mané pegou o lampião e desligou o gás, vendo que o vidro
estava inteiro. Nisso, o vô Tonico foi andando mais à frente, em direção ao
mato, apontando a lanterna à bateria.
_ Olha lá, todo mundo, mas vem em
silêncio.
E lá estava o nosso bicho peludo,
quieto e assustado no mato: uma linda capivara com alguns filhotinhos...
Quando voltamos para casa
estávamos todos animados, cheio de histórias para contar.
(Continue a ler em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/10/aos-meus-amigos-6.html )
Massa! Histórias legais de se ler. Bruno.
ResponderExcluirValeu, Rock. Beijus
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