(Se não leu desde o início, aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )
Em frente à casa do André tinha
uma casa bem velha que pertencia ao pai dele, tio Ernesto. Era uma dessas casas
que não tem forro no teto nem nada, e servia de quartinho para guardar coisas
diversas: ferramentas, latas de tinta, telhas, tijolos e demais entulhos que
vão se acumulando ao longo do ano. Adorávamos ir lá para fuçar nas coisas
velhas, assim como adorávamos subir no telhado só por diversão, mas sabíamos
que o tio Ernesto não gostava.
Certa vez estávamos mexendo nas
velharias e encontramos uma vitrola bem antiga, já estragada.
_ Tive uma ideia. – Disse o João.
– André, você tem algum disco na sua casa que ninguém ouve mais?
_ Ah! Deve ter um lá da minha
mãe. Nunca a vi escutar alguns daqueles discos.
_ Pega um lá, mas um desses que,
se estragar, ela não vá sentir falta.
E lá foi o André, correndo para
atravessar a rua e pegar o disco de vinil. Apareceu pouco tempo depois, com um
de um cantor que nunca ouvimos falar, mas que parecia bem antigo. Estava até
empoeirado.
_ Tira uma folha daquele
calendário do ano passado pendurado na parede, Manezinho. Leo, procura uma
agulha nas caixas de costura da tia Josefa.
Fizemos o que o João pediu
rapidamente, pois estávamos todos curiosos para saber no que daria aquilo. O João
pegou a folha do calendário, que era grande, e a enrolou, deixando um lado fino
e o outro grosso, como um cone. Pegou a agulha e a atravessou bem na ponta do
cone, no lado fino. Colocou o disco na vitrola e encostou a ponta da agulha no
disco enquanto segurava o cone.
_ Vi isso num programa de tv
esses dias.
E, bem devagar, começou a rodar
com o próprio dedo o disco. Todos imaginavam o que aconteceria, mas foi uma
surpresa ver que aquilo realmente havia funcionado: ouvimos o disco tocar, bem
baixinho, sem ter caixinhas de som ou eletricidade. O difícil era manter a
velocidade para a música soar certinha, mas ficávamos nos revezando para ver
quem conseguia tocar uma música certa a maior parte do tempo.
_ Seu pai ainda vai demorar para
chegar, André? – Perguntei.
_ Não sei. Por quê?
_ Ah! É que se ele fosse demorar
a gente podia subir no telhado.
_ Ué! Vamos subir. Se ele chegar
a gente diz que tá trocando umas telhas quebradas para não gotejar dentro de
casa.
_ Boa ideia! – Concordamos todos.
A subida era tranquila para nós. Subíamos
no tanque de lavar que ficava no fundo e dávamos um pequeno impulso para subir
no muro. De lá, era só passar para o telhado.
Subimos e nos sentamos na parte
mais alta, onde ficamos admirando a vista da cidade.
_ É massa a vista daqui, né? – Disse
o manezinho.
_ Eu não me canso de subir para
olhar. – Respondeu o André.
_ Certeza que não vai dar rolo se
seu pai chegar? – Perguntei, não querendo ir embora pra casa de castigo antes
do fim de semana acabar.
_ Se a gente fingir que realmente
tá trocando telha, não.
_ Vamos ver se tem telha quebrada
então. Assim nossa história fica mais convincente. – Sugeriu o João.
E assim o fizemos. Nos espalhamos
pelo telhado procurando por telhas quebradas, mas nada de achar.
_ E agora? – Perguntou Manezinho.
_ É fácil. É só a gente quebrar
algumas.
A ideia do André era ótima, mais
uma vez, e começamos a bater com o pé nas telhas para que elas se partissem.
_ Quebrei uma. – Gritou o João.
_ Eu também. – Anunciou o
Manezinho.
_ E como tá aí, André? –
Perguntei.
_ Essa bosta não quebra. Que
merda!
Do jeito que o André terminou de
falar, com raiva, deu um pulo com os dois pés sobre a telha, que espatifou de
imediato, abrindo um buraco no telhado por onde escorregou o corpo do André. No
susto, e na tentativa de se segurar, ele abriu os braços, mas de nada adiantou:
foi para baixo. Como a casa não tinha forro, ele foi direto para o chão, caindo
de costas sobre uma lata de tinta. Nossa reação foi imediata:
_ Hahahahahahahahahahahaha!!! –
Rolávamos no telhado de tanto dar risada, até que vimos o André pular a janela,
chorando, com a mão nas costas e correndo para a casa dele.
_ Ih! Acho que é sério. – Falei.
_ Vamos lá ver se está tudo bem. –
Disse o João, já procurando descer do telhado.
Corremos até a casa do André e
vimos que ele estava no banheiro, com a porta trancada e o chuveiro aberto.
_ Tá tudo bem, André? – Perguntou
Manezinho.
Ouvimos a porta do banheiro ser
destrancada e entramos rapidinho. Lá estava o André, com cara de choro, as
costas roxas e a lateral do corpo e embaixo dos braços todo ralado.
_ Meus pais não podem saber
disso. – Disse ele.
Não sabíamos o que fazer, mas
sabíamos que seria difícil esconder aquilo.
_ Vou falar que caí de bicicleta.
Um pouco depois aparece a tia
Josefa, e o André ainda no banheiro.
_ Cadê o André?
_ Tá tomando banho, tia.
_ Tomando banho a essa hora?
Vocês devem ter aprontado alguma. André! Abre essa porta, agora!
O André tentou convencer sua mãe
a não entrar, mas não adiantou. Ela bateu e gritou tanto que ele acabou
abrindo.
_ O QUE QUE ACONTECEU?!?!?
_ Cai de bicicleta, mãe...
_ Bicicleta nada! Conta o que
houve.
O André tentou inventar as mais
diversas histórias, mas nada da tia Josefa se convencer. O tio Ernesto chegou.
Ele era bem calmo, mas só por fora, e todos tínhamos medo dele. A tia Josefa
falou com o tio Ernesto e, enquanto o André se trocava e a mãe dele passava uns
medicamentos nos ralados, o tio Ernesto colocou nós três sentados na sala.
_ Vou perguntar uma vez só e não
quero mentiras. O que aconteceu?
Olhamos um para o outro, sem
saber o que falar e em pânico, até que o Manezinho começou:
_ Ele caiu do telhado, tio.
_ É. A gente tava trocando telhas
quebradas e uma delas quebrou onde o André pisou. Aí foi para o chão. – Tentei complementar.
_ Não tinha telha quebrada lá. Eu
mesmo troquei não faz uma semana. Eu quero a verdade.
_ Tio. – Falou o João, enchendo os
olhos de lágrimas. – A gente queria subir no telhado pra ver a cidade, e ... –
contou toda a história. Todos nós chorávamos enquanto ele falava.
_ Josefa. Vamos levar o André
para o hospital. E liga para os pais desses meninos e conta o que aconteceu.
Mesmo que esteja tudo bem, ninguém vai dormir aqui hoje.
O André passou por nós com ar de
choro e dor, nos olhando sem saber o que dizer, e foi para o carro, em direção ao
hospital. Minha mãe e o tio Mané mandaram a gente pegar as bicicletas e irmos
para casa, o que fizemos bem tristes. O fim de semana havia acabado mais cedo
para nós, mas nada de grave tinha acontecido ao André...
(Continue a leitura em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/11/aos-meus-amigos-10.html )
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