segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 9

(Se não leu desde o início, aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Em frente à casa do André tinha uma casa bem velha que pertencia ao pai dele, tio Ernesto. Era uma dessas casas que não tem forro no teto nem nada, e servia de quartinho para guardar coisas diversas: ferramentas, latas de tinta, telhas, tijolos e demais entulhos que vão se acumulando ao longo do ano. Adorávamos ir lá para fuçar nas coisas velhas, assim como adorávamos subir no telhado só por diversão, mas sabíamos que o tio Ernesto não gostava.
Certa vez estávamos mexendo nas velharias e encontramos uma vitrola bem antiga, já estragada.
_ Tive uma ideia. – Disse o João. – André, você tem algum disco na sua casa que ninguém ouve mais?
_ Ah! Deve ter um lá da minha mãe. Nunca a vi escutar alguns daqueles discos.
_ Pega um lá, mas um desses que, se estragar, ela não vá sentir falta.
E lá foi o André, correndo para atravessar a rua e pegar o disco de vinil. Apareceu pouco tempo depois, com um de um cantor que nunca ouvimos falar, mas que parecia bem antigo. Estava até empoeirado.
_ Tira uma folha daquele calendário do ano passado pendurado na parede, Manezinho. Leo, procura uma agulha nas caixas de costura da tia Josefa.
Fizemos o que o João pediu rapidamente, pois estávamos todos curiosos para saber no que daria aquilo. O João pegou a folha do calendário, que era grande, e a enrolou, deixando um lado fino e o outro grosso, como um cone. Pegou a agulha e a atravessou bem na ponta do cone, no lado fino. Colocou o disco na vitrola e encostou a ponta da agulha no disco enquanto segurava o cone.
_ Vi isso num programa de tv esses dias.
E, bem devagar, começou a rodar com o próprio dedo o disco. Todos imaginavam o que aconteceria, mas foi uma surpresa ver que aquilo realmente havia funcionado: ouvimos o disco tocar, bem baixinho, sem ter caixinhas de som ou eletricidade. O difícil era manter a velocidade para a música soar certinha, mas ficávamos nos revezando para ver quem conseguia tocar uma música certa a maior parte do tempo.

_ Seu pai ainda vai demorar para chegar, André? – Perguntei.
_ Não sei. Por quê?
_ Ah! É que se ele fosse demorar a gente podia subir no telhado.
_ Ué! Vamos subir. Se ele chegar a gente diz que tá trocando umas telhas quebradas para não gotejar dentro de casa.
_ Boa ideia! – Concordamos todos.
A subida era tranquila para nós. Subíamos no tanque de lavar que ficava no fundo e dávamos um pequeno impulso para subir no muro. De lá, era só passar para o telhado.
Subimos e nos sentamos na parte mais alta, onde ficamos admirando a vista da cidade.
_ É massa a vista daqui, né? – Disse o manezinho.
_ Eu não me canso de subir para olhar. – Respondeu o André.
_ Certeza que não vai dar rolo se seu pai chegar? – Perguntei, não querendo ir embora pra casa de castigo antes do fim de semana acabar.
_ Se a gente fingir que realmente tá trocando telha, não.
_ Vamos ver se tem telha quebrada então. Assim nossa história fica mais convincente. – Sugeriu o João.
E assim o fizemos. Nos espalhamos pelo telhado procurando por telhas quebradas, mas nada de achar.
_ E agora? – Perguntou Manezinho.
_ É fácil. É só a gente quebrar algumas.
A ideia do André era ótima, mais uma vez, e começamos a bater com o pé nas telhas para que elas se partissem.
_ Quebrei uma. – Gritou o João.
_ Eu também. – Anunciou o Manezinho.
_ E como tá aí, André? – Perguntei.
_ Essa bosta não quebra. Que merda!
Do jeito que o André terminou de falar, com raiva, deu um pulo com os dois pés sobre a telha, que espatifou de imediato, abrindo um buraco no telhado por onde escorregou o corpo do André. No susto, e na tentativa de se segurar, ele abriu os braços, mas de nada adiantou: foi para baixo. Como a casa não tinha forro, ele foi direto para o chão, caindo de costas sobre uma lata de tinta. Nossa reação foi imediata:
_ Hahahahahahahahahahahaha!!! – Rolávamos no telhado de tanto dar risada, até que vimos o André pular a janela, chorando, com a mão nas costas e correndo para a casa dele.
_ Ih! Acho que é sério. – Falei.
_ Vamos lá ver se está tudo bem. – Disse o João, já procurando descer do telhado.
Corremos até a casa do André e vimos que ele estava no banheiro, com a porta trancada e o chuveiro aberto.
_ Tá tudo bem, André? – Perguntou Manezinho.
Ouvimos a porta do banheiro ser destrancada e entramos rapidinho. Lá estava o André, com cara de choro, as costas roxas e a lateral do corpo e embaixo dos braços todo ralado.
_ Meus pais não podem saber disso. – Disse ele.
Não sabíamos o que fazer, mas sabíamos que seria difícil esconder aquilo.
_ Vou falar que caí de bicicleta.
Um pouco depois aparece a tia Josefa, e o André ainda no banheiro.
_ Cadê o André?
_ Tá tomando banho, tia.
_ Tomando banho a essa hora? Vocês devem ter aprontado alguma. André! Abre essa porta, agora!
O André tentou convencer sua mãe a não entrar, mas não adiantou. Ela bateu e gritou tanto que ele acabou abrindo.
_ O QUE QUE ACONTECEU?!?!?
_ Cai de bicicleta, mãe...
_ Bicicleta nada! Conta o que houve.
O André tentou inventar as mais diversas histórias, mas nada da tia Josefa se convencer. O tio Ernesto chegou. Ele era bem calmo, mas só por fora, e todos tínhamos medo dele. A tia Josefa falou com o tio Ernesto e, enquanto o André se trocava e a mãe dele passava uns medicamentos nos ralados, o tio Ernesto colocou nós três sentados na sala.
_ Vou perguntar uma vez só e não quero mentiras. O que aconteceu?
Olhamos um para o outro, sem saber o que falar e em pânico, até que o Manezinho começou:
_ Ele caiu do telhado, tio.
_ É. A gente tava trocando telhas quebradas e uma delas quebrou onde o André pisou. Aí foi para o chão. – Tentei complementar.
_ Não tinha telha quebrada lá. Eu mesmo troquei não faz uma semana. Eu quero a verdade.
_ Tio. – Falou o João, enchendo os olhos de lágrimas. – A gente queria subir no telhado pra ver a cidade, e ... – contou toda a história. Todos nós chorávamos enquanto ele falava.
_ Josefa. Vamos levar o André para o hospital. E liga para os pais desses meninos e conta o que aconteceu. Mesmo que esteja tudo bem, ninguém vai dormir aqui hoje. 
O André passou por nós com ar de choro e dor, nos olhando sem saber o que dizer, e foi para o carro, em direção ao hospital. Minha mãe e o tio Mané mandaram a gente pegar as bicicletas e irmos para casa, o que fizemos bem tristes. O fim de semana havia acabado mais cedo para nós, mas nada de grave tinha acontecido ao André...


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