quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Aos Meus Amigos - 16

(Não tem acompanhado do início? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


_ No começo é ruim, mas depois fica da hora, Leo. Tenta de novo. – Foi o que me disse o Vini, oferecendo um cigarro.
Descobri que o Vini morava perto da casa do vô Tonico, então como almoçávamos lá todo domingo, o André e eu sempre íamos a casa dele, o que nos aproximou bastante. Em relação à turma da escola, depois do baile do Havaí prometi que não beberia mais, mas era só me encontrar com o André e companhia que acabava bebendo algo, o que foi ficando cada vez mais frequente. O cigarro que havia prometido para mim mesmo não fumar mais, pois foi ele que me fez passar mal naquele dia, mas a cada encontro com a turma mais pensava em quebrar tal promessa, vendo o prazer que sentiam a cada tragada.
_ Mas e se eu passar mal de novo Vini?
_ Puxa só um pouquinho. Acho que aquele dia você tragou muita fumaça. – E me entregou o cigarro.
_ Que acha André? – Perguntei, olhando para ele enquanto fumava um cigarro.
_ Você é quem sabe. Eu gosto.
Levei o cigarro à boca e dei uma leve tragada. A fumaça ardeu um pouco a garganta, mas não cheguei a tossir. Senti uma leve tontura, relaxando o corpo. Achei gostoso, apesar do gosto ruim na boca.
_ É! Acho que estou pegando o jeito...

Naquela tarde havíamos combinado de andar de bicicleta. Como tinha chovido decidimos ir ao pasto atrás do estádio, pois a graça era seguirmos pelos trilhos deixados pelo gado e passarmos com tudo dentro das poças d’água, nos molhando todo. Além do André, do Vini e de mim, estavam também o Manezinho, o Silvinho e o Jonatan. Na minha bicicleta havia uma pequena bolsa presa ao quadro, então pegamos o maço de cigarro que havíamos comprado, enrolado num saquinho plástico e colocado dentro para não molhar.
_ Eu vou na frente. Me segue moçada! – Disse o André, que continuava com o costume de liderar as bagunças.
Pegamos uma trilha e a seguimos. O pneu de trás jogava barro tanto nas nossas costas como na cara do que estava atrás, então a sujeira era geral.
_ Tem uma poça ali. Acelera todo mundo!
E passávamos com tudo por dentro dela, voando água pra todo lado.
_ Hahahahaha! Essa foi boa. Não parem não!
Na próxima poça o André passou com tudo, mas o Jonatan, que estava atrás, acabou batendo o pneu da frente num buraco encoberto pela água e foi pro chão. Como estávamos bem próximos não deu outra: o Vini já bateu nele e caiu; eu, que estava atrás do Vini, tentei desviar, mas derrapou o pneu e também fui ao chão; o Manezinho brecou a tempo, mas o Silvinho o acertou por trás derrubando os dois. Enquanto nos levantávamos, rindo, o André tirava o maior sarro.
_ Acho que seguindo por essa direção tem um riozinho. – Disse o Silvinho, apontando com o dedo.
_ Então vamos lá! – Todos concordaram.
Avistamos o riozinho no final de uma descida, e o Manezinho já foi gritando:
_ O último que chegar é bicha!
E todo mundo foi pedalando o máximo que conseguia, entrando direto na água com bicicleta e tudo.
_ Pensa rápido! – Gritei jogando uma bola de lama nas costas do Jonatan, e a guerra começou, um jogando barro no outro ou pulando encima para afundar na água.
_ O bom que assim lava as bicicletas também. – Falei.
Nisso todo mundo parou e me olhou.
_ Que foi povo?
_ Sua bicicleta! Ergue sua bicicleta! – Gritava o Silvinho.
_ Por quê? O que aconteceu?
_ O cigarro Leo! O cigarro... – Disse desanimado o André.
Como poderíamos ter esquecido? Levantei rapidamente a bicicleta e abri a bolsa do quadro. O maço estava totalmente encharcado.
_ Que bosta! E agora? – Falou o Jonatan.
_ Me dá isso aqui. – Pediu o Vini, pegando o maço. – Manezinho, essa sua camiseta parece velha, né?
_ É sim, Vini. Como sabia que ia sujar peguei uma bem velha.
_ Tudo bem se ela estragar?
_ Acho que sim. Por quê?
_ Você vai ver. Me dá ela aqui.
O Vini pegou a camiseta e a estendeu na grama. Pegou os cigarros do maço, todos molhados, e começou a desmanchá-los, jogando o tabaco sobre a camiseta. Quando todos os cigarros já estavam desmanchados começou a enrolar a camiseta, torcendo o local do tabaco, escorrendo um caldo preto conforme torcia.
_ Assim a gente tira o excesso de água e deixa o fumo secar no sol. Leo, Jonatan, vão procurar algum jornal ou papel seco. Perto do estádio deve ter.
E assim o fizemos, obedecendo de imediato à ordem, loucos para ver se daria certo a experiência e fumarmos.
_ Essa mancha na minha camiseta não vai sair né Vini? – Perguntou o Manezinho.
_ Não. Por isso perguntei se podia estragar. – E colocou o fumo para secar depois de torcer bastante e tirar muita água.
Tempo depois o Jonatan e eu voltamos com umas folhas de jornal que encontramos numa caçamba de lixo. O Vini e o Silvinho começaram a separar o fumo e enrolar nas folhas, fazendo cigarros improvisados.
_ Ok. Mas e para acendermos? – Observou o André.
Mais uma vez travamos, sem saber o que fazer.
_ Acho que sei. Tem um amigo meu que mora aqui perto. Posso ir lá e pedir um fósforo.
_ Que amigo Leo? – Perguntou o André.
_ O Tomás.
_ E o que você vai falar pra ele? – Quis saber o Manezinho.
_ Posso falar que é pra soltar bomba, sei lá.
_ Então vai Leo. A gente te espera atrás do estádio.
E fui em direção à casa do Tomás, imaginando o que falar, pois ele sabia que a turma do André fumava e poderia desconfiar. Chegando lá comecei a chama-lo.
_ Tomás! Tomás!
A vó dele sai.
_ Oi Leo. O Tomás tá no quarto dele. Entra.
_ Não. Obrigado vó. Só quero falar com ele rapidinho. Pode chama-lo?
Pouco depois vem o Tomás.
_ Ô Leo. Entra um pouco.
_ Não Tomás, é rapidinho. Estamos soltando umas bombas e queria saber se pode me emprestar uma caixa de fósforo. O nosso molhou.
_ Com quem você tá soltando bomba?
_ Com meus primos.
_ Posso ir com você?
_ Bem... – Fiquei procurando uma desculpa. - ...pode, mas o Vitor tá lá também, e sei que vocês não se dão bem. – Menti, referindo-me a um menino que morava perto da casa dele e que viviam brigando.
_ O Vitor? Mas o que ele faz lá?
_ Ele nos viu soltando bomba e parou por lá.
_ Tá. Espera aí que vou pegar o fósforo.
Peguei o fósforo e mal me despedi do Tomás, voltando rapidinho com a turma, que esperavam ansiosos atrás do estádio, que não era longe. Acendemos um dos cigarros improvisados e fomos passando um para o outro. Só o Manezinho não fumava, mas aceitava de boa. Às vezes eu dava uma ou outra tossida, mas estava gostando.
_ Vem vindo alguém de bike. – Disse o Manezinho. – Acho que é seu amigo, Leo.
Quando olhei vi que era o Tomás, e ele estava junto com o Sidnei.
_ Caralho! – Reclamei. – Qualquer coisa eu não estava fumando, heim!
Eles se aproximaram um pouco ressabiados.
_ Ué! Cadê as bombas, Leo? – Perguntou o Tomás.
_ Não acenderam e jogamos fora. Estavam molhadas. – Respondi. Os outros só olhavam.
_ Aí vocês decidiram fumar? – Disse o Sidnei. – Você tá se perdendo, Leo. Não é mais o mesmo.
Baixei a cabeça, quieto, mas o Silvinho tomou as dores.
_ Vão se foder, seus playboyzinhos. Ele faz o que quiser. Mas se quiserem encher o saco é só falar... – E foi indo na direção deles, mas eu o segurei pelo braço.
_ Deixa Silvinho. Deixa quieto...
_ Bem, Leo, você vai ter que fazer uma escolha. – Falou o Tomás. – Se quiser continuar nosso amigo para com essas coisas de cigarro e bebida. Você sabe que isso é errado.
Mais uma vez baixei a cabeça e fiquei quieto.
_ Vamos embora Tomás. Acho que a escolha foi feita... – E saíram os dois.
_ Babacas! – Gritou o Jonatan.
Passei o resto do domingo quieto, mal sorrindo e totalmente desatento. No dia seguinte, na escola, nem o Tomás e nem o Sidnei falaram comigo. O Cleber e o Hugo já estavam sabendo, mas não se afastaram totalmente. Depois daquilo, percebi que havia acabado de perder dois bons amigos. Era uma nova fase que se iniciava, e nela estariam presentes bebidas e cigarro...

(Fim da Parte I)

(Primeiro capítulo da Parte II em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2014/01/aos-meus-amigos-1-parte-ii.html )

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Aos Meus Amigos - 15

(Não tem acompanhado desde o início? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


O assunto do momento na cidade era o Baile do Havaí do clube local. Claro que era um baile que tinha todo ano, mas aquele seria o primeiro que nossos pais nos deixariam ir sozinhos, pois já estávamos com a idade mínima para isso.
_ Será que a gente descola umas gatinhas? – Era a empolgação do Sidnei.
_ Eu vou pra curtir, se rolar alguma coisa, rolou. – Disse eu.
_ Você fala isso porque já andou dando uns beijos, né Leo? Já a gente... – Choramingou o Cleber.
Era verdade. Da turma eu era o único que já havia dado uns beijos, graças, mais uma vez, às saídas que dava com a turma do André.
Eu estava um pouco dividido, pois além de combinar com o pessoal da escola, o André e o Manezinho também tinham me chamado para irmos juntos ao baile. Nessa época já não íamos mais brincar tanto na casa dos nossos avós, pois já estávamos interessados em outras coisas. O João, como era mais velho, tinha optado por continuar os estudos numa escola agrícola em outra cidade, e o Manezinho vez ou outra se juntava à turma do André nos finais de semana. Mas aquele baile prometia, e eu sem saber o que fazer quanto às turmas.
_ Você vai ter que se decidir Leo. – Falou o Hugo, um pouco enciumado. – Você vai ficar com a gente ou com seus primos?
_ Relaxa Hugo. Vou ficar com vocês.

O dia do baile chegou, e meus pais levariam meu irmão e eu até a frente do clube para nos buscar de volta as duas da manhã. Minha irmã iria com o namorado, mas ficaria na parte de mesas reservadas, o que era bom, pois evitaria que ficasse no nosso pé. Já o meu irmão não queria ir, alegando não estar bem, mas meus pais insistiram para que ele fosse, estranhando sua vontade, uma vez que todos os seus colegas de sala estariam lá. Eu sabia o real motivo para ele não querer ir.
_ Deixa eu dormir na casa do André, mãe? – Pedi pela milésima vez.
_ Nada disso. O André não tem muitas regras na casa dele e não sei que horas ele vai embora, então nada feito. E é bom estarem aqui na frente pontualmente às duas horas, heim? Se não será sua primeira e última vez, Leo, já que o Lourenço nunca desobedeceu horários.
_ Pai?! – Tentei
_ Sua mãe já falou, então não insista.
Descemos do carro, meu irmão e eu, e já nos dirigimos ao portão de encontro combinado com a turma. Meu irmão ficou sozinho, encostado num muro.
_ Tava achando que ia furar Leo, e que viria com seus primos. – Cutucou o Tomás.
_ Nada disso moçada. Combinado é combinado. – E entramos.
O Clube era bem grande, dando a volta pelas piscinas onde ficavam as mesas reservadas e todo decorado com frutas e flores. Estava lotado. Conforme andávamos tínhamos que parar a todo instante por encontrar algum conhecido da escola. Estávamos todos eufóricos pelo nosso primeiro baile.
_ Vocês viram que aquela gostosa da Isabela tá aqui? – Comentava um.
_ A banda tá muito legal. Vamos lá na frente. – Falava outro.
_ Daquele lado tá meio barra pesada, não vão pra lá não. – Avisava outro.
E assim foi, andando pelo clube, papeando, paquerando e tudo mais. Vez ou outra passávamos pela banda, outras vezes íamos para perto do bar, depois entrávamos no salão onde tocava um DJ. Eu não tinha visto meus primos ainda, mas o tempo todo via meu irmão, não mais sozinho e sim com o Borges, seu amigo fora da escola.
_ Vamos comprar um refrigerante? – Sugeriu o Cleber, e assim fomos.
Enquanto o Cleber comprava ficha para o refrigerante avistei o André com um amigo que eu não conhecia.
_ Pera aí, só vou dar um oi para o meu primo. – E saí.
_ Ô Leo! Por onde andou? – Perguntou o André.
_ Estava por aí, dando umas voltas. E vocês?
_ Estamos perto do parquinho. O Manezinho tá lá. Que tal dar um oi para ele?
Olhei para os moleques e fiz um sinal com a mão para me esperarem. Percebi na hora que desaprovavam minha ação. O lado do parquinho era justamente o lado em que haviam nos dito para evitar por estar meio barra pesada. Chegando lá, estavam o Manezinho, o Sabugo, o Jonatan, o Otávio e o Silvinho. O amigo que eu não conhecia se chamava Vini, e fomos apresentados ali mesmo.
_ Que estão fazendo aqui ao invés de andarem por aí? – Perguntei.
_ Bebendo um pouco. – Falou o Sabugo.
_ Bebendo o que?
_ Experimenta Leo. – Ofereceu o Silvinho, estendendo o braço com um copo.
Peguei o copo e dei um gole. Era forte de álcool e doce ao mesmo tempo. Muito gostoso.
_ Que delícia! Que é isso?
_ É Martini. – Disse o Manezinho. – Gostoso né?
_ Caramba! Bom demais. Como conseguiram?
_ O Jonatan tem um primo que tá trabalhando no bar. Aí a gente dá o dinheiro pra ele e ele pega pra gente. – Disse o André.
_ Então pega um pra mim também Jonatan. – E lhe dei o dinheiro.
Fiquei ali, bebendo, e nem me lembrava que tinha pedido para a outra turma me esperar. Como não estava acostumado, rapidamente comecei a me sentir tonto, mas era uma tontura gostosa. O Manezinho também estava assim, mas o André não, então percebemos que ele já estava mais acostumado.
Vez ou outra alguém da turma do André acendia um cigarro, e o André sempre dava umas tragadas.
_ Quer um trago Leo? – Perguntou.
Olhei para ele e para os outros e, fora o Manezinho, todos pareciam esperar que eu aceitasse. Peguei o cigarro e dei uma puxada. Aquilo ardeu muito a garganta e imediatamente comecei a tossir. Todos caíram na risada e eu quase vomitei, ficando com os olhos cheios de lágrimas.
_ Que bosta! Vou no banheiro lavar o rosto. – E sai.
Entrei no banheiro e comecei a lavar o rosto. Nisso ouso a voz do meu irmão:
_ Que aconteceu Leo?
_ Nada. Só engasguei.
_ Você tá fedendo cigarro. Andou fumando?
_ Eu não! Tá louco?
_ Deixa eu cheirar sua boca.
_ Sai fora! – E fui me esquivando, saindo do banheiro.
Comecei a procurar o Hugo e companhia, encontrando-os perto da banda pouco depois.
_ Onde você tava Leo? – Perguntou o Tomás.
_ Eu não encontrava mais vocês. – respondi.
_ Mentira! Você tava com seus primos. Eu vi. – Retrucou o Hugo.
_ Fiquei só um pouco lá, aí voltei pro bar e não achei mais vocês.
Eles estavam meio que bravos comigo, mas fiquei por ali mesmo, um pouco mal por causa da bebida e do cigarro, e a coisa foi piorando.
_ Que você tem Leo? – Percebeu o Cleber.
_ Nada. Eu... – E virei a cabeça em direção ao canteiro e comecei a vomitar.
Eles ficaram preocupados. Esperaram eu parar de vomitar e trouxeram água. Bebi e comecei a me recompor.
_ Não sei o que me deu...
_ Leo. Você Bebeu? – Perguntou sério o Sidnei. Fiquei quieto, mas ele insistiu. – Você tá com jeito de bêbado. Bebeu ou não?
Baixei a cabeça, o que acabou me entregando. Eles ficaram bem decepcionados, e mal nos divertimos depois daquilo até chegar duas da manhã, que era o mesmo horário para ir embora de todos nós. Fomos em silêncio até a frente do clube, onde encontrei meu irmão e me distanciei da turma, com um breve tchau.
_ Vou contar pros pais que você fumou.
_ Cala a boca! Não fiz nada não!
_ Fez sim, e eu vou contar.
_ Conta então! E eu conto pra todo mundo da menina que você gosta.
Silêncio. Ele ficou sem reação, até que ouvimos a buzina do carro e vimos que era meu pai. Fomos até lá. Quietos, e entramos.
_ E aí? Como foi? – Perguntou meu pai, empolgado pela resposta.
_ Legal. – Respondeu meu irmão, seco.
_ Legal. – Respondi também seco.
E fomos para casa, sem falar mais nada.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Aos Meus Amigos - 14

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Depois do episódio da bomba na casa da diretora e a ida da polícia até o local para averiguar decidimos parar com esse tipo de brincadeira. Dessa forma precisávamos de uma pauta nova nas nossas reuniões do clube para decidir o que fazer no fim de semana.
_ E se fossemos pescar? – Sugeriu o Cleber.
_ Credo! Não gosto de beira de rio. – Foi a resposta do Tomás.
_ Então vamos no clube de campo passar o dia. – Falei.
_ A gente sempre vai lá. – Disse o Sidnei. – Precisamos de algo novo...
_ Que tal um filme? A gente pega algo com várias sequencias e assiste tudo no fim de semana.
A ideia do Hugo não era ruim, mas ainda assim não saciava nossas ânsias pelo novo, mas me deu uma ideia inédita.
_ Gostei da ideia do filme, mas e se pegássemos um filme pornô?
Todos olharam na minha direção, em silêncio e êxtase, até que o Sidnei indagou:
_ Mas como alugar um filme pornô? Precisaríamos de um adulto.
_ Acho que sei como. – Disse o Hugo. – Outro dia meu primo estava com um na casa dele. Ele pega direto e minha tia não liga. Se eu pedir pra ele, certeza que aluga um pra gente.
_ Nossa! – Abriu um sorriso no rosto do Tomás. – Assistir um filme pornô! Que massa!
_ Certeza. A gente só vê as mesmas revistas de sempre. Vai ser legal ver a coisa rolando pra valer na TV. – Emendou o Cleber.
_ Quando você pode falar com seu primo, Hugo? – Perguntou o Sidnei.
_ Hoje à noite passo na casa dele e falo. Amanhã já levo uma resposta na escola.
_ Beleza! Vai ser da hora. – Falei.
_ Mas onde vamos assistir? – Queria saber o Cleber.
_ Em casa mesmo. – Respondi. – Meus pais vão num jantar dançante esse sábado, e sempre voltam tarde. Minha irmã não sai da casa do namorado e meu irmão fica pra rua até tarde mesmo.
_ Tá certo então. – Disse o Sidnei. – A gente se encontra na lanchonete do Chico, pede os lanches, mas pra viagem, e aí vai pra casa do Leo. VTDI?
_ SIMMMM!!!

Passamos o resto da semana imaginando como seria ver um filme pornô. Nunca tínhamos visto um, estando limitados apenas a umas revistas velhas que achávamos ou trocávamos por aí. As que eu tinha eram do tio Mané, que pegava na oficina em que trabalhava e distribuía para os sobrinhos:
_ Vão bater punheta pra virar homem, molecada. – Dizia ele.
No sábado então fizemos o combinado. O primo do Hugo havia pegado o filme e já estava em nosso poder. Nos reunimos na lanchonete do Chico e pedimos nossos lanches, estranhando quando dissemos que era pra viagem, mas nada perguntou. Saímos empolgados em direção à minha casa, encontrando alguns conhecidos pelo caminho aos quais despistávamos rapidamente alegando pressa para comer o lanche enquanto ainda estava quente.
Chegamos, entramos na casa e nos dirigimos para a sala de TV, que ficava no fundo de casa. Meu cachorro Tobi ficou nos rodeando enquanto preparamos o videocassete, ligamos a TV e colocamos a fita, com o título “Entrando Fundo pelos Fundos”. O filme começou e estávamos muito excitados, mas não conseguíamos deixar de fazer comentários engraçados:
_ Nossa! Que saco murcho.
_ Hahahaha! Tá faltando um dente naquela mulher.
_ Até parece que ia gemer tanto assim só de chupar as tetas.
_ Ah, tá! E, de repente, aparece um pinto do nada!
_ Precisava raspar um pouco mais esses pelos aí, heim!
Uma hora e meia depois o filme acaba. Todos com sorriso no rosto pelo espetáculo que acabávamos de ver.
_ E agora? – Pergunta o Cleber.
_ Vamos esconder a fita e ir pra sorveteria. Mas não podemos contar pra ninguém. – Disse o Sidnei. – Você pode esconder em algum lugar por aqui, Leo?
_ Sem problemas. Me da aqui que colocarei junto com as revistas.
_ Aí amanhã à tarde passo aqui pra pegar a fita. – Falou o Hugo. – Tenho que devolver pro meu primo.
Enquanto fechávamos a sala ouvimos a porta da frente se abrindo. Ficamos apreensivos, mas era o Lourenço chegando.
_ Que tá fazendo aqui? – Perguntou ele.
_ Só vim pegar o dinheiro que esqueci.
_ Então vaza que tenho umas coisas pra fazer.
Achamos estranho aquilo. Nos olhamos e começamos a sair, mas todos já desconfiávamos do que ele pretendia fazer.
_ Certeza que ele vai fazer a mesma coisa que a gente. Seu irmão deve ter algum filme escondido. – Disse o Tomás.
_ Também acho. Mas pode deixar que vou pegar ele no pulo. Aí ou ele me deixa assistir o filme também ou ameaço contar pros meus pais.
Entrar na casa sem ser pela porta da frente não era problema, pois bastava pular o muro do lado, já que não tinha ninguém morando na casa do vizinho, e pra mim isso era fácil.
_ Esperem aqui.
Abri o portãozinho da casa vizinha e entrei, me dirigindo ao muro. Rapidamente dei um salto e me apoiei para subir, me equilibrando. Quando já estava pronto para pular do outro lado percebi que meu irmão não tinha ido para o fundo, na sala, e sim para o seu quarto, e a janela estava aberta. Vejo-o se sentar na cama, triste, e começar a chorar. Achei muito estranho, mas continuei a olhar, até que ele pega um álbum de fotos da turma de escola dele e começa a olhar, parando sobre a foto de uma das meninas da sala. Ele estava apaixonado, mas sofrendo, e não queria que o vissem daquele jeito.
Voltei para a rua, onde a turma me esperava.
_ E aí? Pegou no pulo? O filme parecia bom? – Perguntava sem parar o Hugo.
_ Deixa pra lá. Não é nada disso. – Respondi.
_ Então o que era? O que você viu? – Quis saber o Sidnei.
_ Nada. Ele só foi dormir. – E não toquei mais no assunto.

Naquela noite, na sorveteria, vi a garota que ele gostava, e ela estava de mãos dadas com outro garoto da sala deles, e era justamente alguém que meu irmão detestava...

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Aos Meus Amigos - 13

(Ainda não leu desde o inicio? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


Acabamos nos empolgando com a ideia das bombas e queríamos mais. Assim, em nossas reuniões, escolhíamos os novos alvos.
_ Tem um vizinho meu que também está enchendo o saco. – Disse o Cleber. – Nos dias de semana fica com o som alto até tarde da noite, e nos fins de semana, antes das sete da manhã, já tá com aquela porcaria ligada de novo. Meu pai foi reclamar e ele disse pra chamar a polícia, mas como um parente dele é da polícia, nunca da nada.
_ Então ele vai ser o próximo. – Disse o Sidnei. – Vamos bolar um plano.
_ Podemos aproveitar e dar um susto na diretora também. – Acrescentei. – Ela mora lá perto.
_ Seria legal. Ela anda muito chata ultimamente. – Disse o Hugo, empolgado.
_ É, mas quem colocaria a bomba na casa dela? Uma coisa é o vizinho do Cleber pegar um de nós, que ele nem conhece, fazendo algo perto da casa dele. Outra é a dona Jane pegar qualquer um de nós, sendo que nos conhece muito bem.
Vimos que o Tomás tinha razão nisso, então teríamos que pensar com cuidado. Como o vizinho do Cleber dormia tarde no meio da semana mas acordava cedo nos fins de semana, supomos que ele estivesse cansado no sábado a noite. Dessa forma aproveitaríamos que nossos pais nos deixavam sair aos sábados pra comer lanche e agiríamos nesse espaço de tempo, e mais uma vez usaríamos os conhecimentos do meu primo André.
_ É como uma bomba relógio, só que se usa um cigarro como pavio pra acender a bomba. – Disse ele. – A gente prende cinco bombas bem forte com elástico de dinheiro e enrola com papelão. No pavio de uma das bombas colocamos a base de um cigarro sem o filtro. Aí é só acender a outra ponta. Como o cigarro não apaga e demora pra queimar, quando ele chegar no pavio e acender a bomba vocês já estarão longe.
Era brilhante, existindo o risco apenas de acender o cigarro. Mas ainda assim existia o risco da diretora nos ver na área da sua casa, pois a ideia era colocar o artefato na janela do seu quarto, que ficava de frente pra rua e seu portão era baixo. Então o Sidnei sugeriu:
_ Podemos dividir os grupos. O Hugo, o Tomás e eu armamos a bomba na casa do vizinho do Cleber, já que ele não nos conhece, e o Leo, o Cleber e o André vão para a casa da dona Jane, só que quem se arrisca a colocar a bomba é o André, já que ela não o conhece.
_ Mas o que eu ganho com isso? – Quis saber o André, mas o Sidnei já estava preparado para aquilo.
_ Nós te daremos isso. – E mostrou para ele um saquinho contendo umas quinze fichas de fliperama.
O André era viciado em fliperama. Direto a tia Josefa parava em frente ao bar do Manoel, onde tinha uma máquina, e via o André lá, parando o carro e tirando-o com puxões de orelha. Mas o André sempre voltava, não tinha jeito.
_ Ok. Me convenceram. Sábado nos encontramos para a ação.
_ É isso aí. VTDI? – Gritou o Sidnei, e todos gritamos que sim, só o André que não, ficando sem entender do que se tratava. – A gente se encontra na sorveteria, de lá se espalha e, depois de tudo feito, voltamos a nos encontrar na sorveteria. Não esquece de preparar o artefato, André.
_ Pode deixar Sidnei. O Leo vai dormir em casa na sexta e a gente monta os dois brinquedinhos.

Na sexta estávamos lá, André, Silvinho e eu. Eu mais observava enquanto os dois conversavam e montavam o mecanismo. O Silvinho tinha começado a fumar, então ele que tinha arrumado o cigarro, e de tempo em tempo o André dava uma tragada no seu cigarro.
_ Quer também Leo? – Oferecia.
_ Não, Valeu. – E continuavam a montar o equipamento.

No sábado estava tudo pronto. Fomos à sorveteria e o André carregava uma mochila com as duas bombas. Combinamos os detalhes e dividimos os grupos. Segui com o Cleber e o André em direção à casa da dona Jane, e vimos que a luz da sala estava acesa.
_ E agora? – Perguntou o Cleber.
_ Já são dez e meia. Já era para eles terem dormido. – Respondi, baseado nas vezes que passamos ali em frente nos dias anteriores.
_ Pode deixar. Vão pra lá...
Nisso o André tirou a bomba da mochila e se aproximou do portão. O Cleber e eu começamos a nos afastar às pressas.
O André deu um pulo bem ágil sobre o portão, fazendo um pequeno grunhido, e se escondeu atrás de um arbusto, esperando alguma reação. Nada. Tudo ok. Se levantou e foi em direção à janela do quarto, sempre de olho no vidro da janela da sala, por onde percebíamos a luz acesa. Colocou o explosivo na janela e arrumou o cigarro no pavio. Tirou o isqueiro do bolso e, quando ia acender, a luz da sala se apagou. Estávamos longe, mas podíamos ver tudo. O André se agachou e se manteve em silêncio. Logo, percebemos pela claridade da janela que a luz do quarto havia sido acesa, mas o André se manteve fixo. Me aproximei mais e comecei a fazer sinal para o André sair de lá, mas ele fazia sinal negativo com a cabeça. Voltei para onde estava e fiquei observando, angustiado.
_ Isso vai dar merda! Isso vai dar merda! – Repetia o Cleber.
_ Cala a boca! O André sabe o que faz.
Alguns minutos depois a luz do quarto se apaga, mas o André não sai do lugar. Vez ou outra um carro passa pela rua, e ele só procura se esquivar da luz do farol, até que, passado quase dez minutos desde que a luz do quarto se apagou, vemos o isqueiro se acender e se aproximar do cigarro. O cigarro é aceso e o André começa a se afastar da janela, pula a grade com a mesma agilidade de antes, esconde atrás do muro por precaução, olha pra ver se a luz não se acendeu, e vem em nossa direção.
_ Vamo embora moçada! Não dou dois minutos para ouvirmos a explosão.
Começamos a nos afastar em silêncio em direção à sorveteria. O André parece estar tenso, e o Cleber e eu estávamos nitidamente nervosos, de modo que o Cleber não parava de olhar o relógio marcando os minutos. Pouco tempo depois, mesmo já estando esperando, damos uma pequena assustada com o barulho da explosão ao longe.
_ Hahahahahahaha... – Nos soltamos, agora eufóricos. – Deu certo, hahahahaha...
Chegando na sorveteria os outros três estão lá, nervosos.
_ Onde diabos estavam? Achamos que tinham sido pegos. – Disse o Sidnei.
_ Foi tudo perfeito, apesar de bem tenso. Mas o André arrasou. E vocês? – Perguntei.
_ Nós? Hahahaha. Problema nenhum. Até ficamos olhando de longe, e foi muito massa quando o vizinho do Cleber saiu só de cueca assustado na rua. E ainda um monte de outros vizinhos também saíram, até seus pais, Cleber.

_ Hahahahaha... – Todos demos risadas, até que nossa alegria foi interrompida quando vimos a viatura de polícia passar com tudo, indo em direção à casa da dona Jane...

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 12

(Não leu do início? Então aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Assim como havia várias sociedades secretas e clubes de reunião de pessoas importantes, resolvemos montar um clube. Demos o nome de VTDI, sigla para Você Tá Dentro?, de modo que o I era referente ao Interrogação, e tal nome se dava para a pergunta feita a todos quando era proposto algum desafio ou aventura. As reuniões eram feitas na casa do Tomas, e lá trocávamos segredos e decidíamos sobre o futuro da humanidade. Óbvio que não tinha nada de político nisso, e sim questões ligadas aos nossos próprios interesses.
A casa do Tomas tinha sido escolhida por ter um sobrado no fundo, espaço com piscina, sala de estudos, sala de música, computador, churrasqueira e tudo mais. Como os pais dele trabalhavam o dia todo e na casa ficava apenas a avó e a empregada, ali era nosso clube particular.
_ Esses vizinhos estão enchendo o saco. – Disse o Tomas, enquanto estávamos na parte superior do sobrado, apontando para um grupo de garotos que usavam uma escada para subir no muro e nos espionar. – Devíamos dar um jeito neles.
_ O medo é o melhor remédio. – Foi a resposta do Sidnei, não falando mais nada, até que o Hugo, não aguentando, questiona:
_ Que quer dizer com isso, Sidnei?
_ Que se dermos um susto neles, não farão mais isso.
_ E como faremos isso? – Começou a se interessar o Cleber. Que já havia discutido com um daqueles garotos num jogo de bola no campinho da esquina.
_ Acho que sei. – respondi.
Em uma das vezes que dormi na casa do meu primo André, o Silvinho nos mostrou como brincar com fogos de artifício sem gastar nada: bastava colocar fogo em um pedaço de esponja de aço e ficar rodando. As faíscas que saem são incríveis. Então sugeri que usássemos aquilo para assustá-los, colocando alguns pedaços de esponja de aço presos à bicicleta, colocar fogo e persegui-los, dizendo que se continuassem a nos espionar, faríamos suas casas pegar fogo. Todos gostaram da ideia, menos o Sidnei, que ainda ficou insatisfeito e queria mais.
_ Vamos usar umas bombas também. A gente persegue eles com o fogo e, quando entrarem na casa, jogamos umas bombas para assustá-los mais. Ai sim eles se convencerão.
_ Mas onde vamos arrumar as bombas? Não podemos comprar. – Disse o Hugo.
_ Será que seu primo consegue, Leo?
A pergunta do Sidnei foi como uma piada para mim. O André estava numa escola com uma turma barra pesada, e coisas assim eram muito fáceis para ele. Acenei positivamente, com um leve sorriso no rosto.

O dia chegou, com tudo preparado. Pegamos uma bicicleta velha que o pai do Cleber não usava mais e colocamos faixas de esponja de aço presas a ela, na parte de trás. Como eu era o mais ágil, fui o escolhido para executar a missão, enquanto os outros dariam o suporte e as informações via sinais previamente combinados. Carregava comigo uma sacola com várias bombas de baixa carga, mas suficientes para assustar. Era o máximo de potência que um adulto conseguiria comprar, e não tinha sido um adulto a fazê-lo, mas sim um dos amigos do André. Quando o Hugo deu o sinal com o estouro de uma bexiga, o Cleber acendeu as faixas de esponja de aço e sai com tudo de bicicleta, de modo que o sinal indicava que os moleques haviam saído de casa.
Vummm... Passei com tudo próximo a eles, com a cabeça coberta com um capuz e a bicicleta pegando fogo e soltando faíscas de todo lado.
_ Que porra é essa? – Gritou um dos moleques.
Dei a volta na quadra de baixo e segui novamente na direção deles, riscando uma bomba na lixa da caixa de fósforos que havíamos fixado no guidão, acendendo-o e jogando na calçada, próximo a eles.
Booommm!!!
_ Caraio! CORRE MOLECADA...
Os três moleques deram meia volta e correram para a casa de um deles, entrando às pressas.
Parei em frente à casa e comecei a riscar mais bombas e a atirar no quintal da casa. De repente percebo fogo subindo: havia um monte de plantas secas no quintal, e elas começaram a pegar fogo. Ao ver isso, sai correndo, desesperado.
Dei a volta no quarteirão, parando próximo a uma construção abandonada, tirei o capuz, escondi a bicicleta, e comecei a voltar, em direção à casa do Tomas. Antes de chegar na esquina, vejo o Sidnei, o Cleber, o Hugo e o Tomas correndo ao meu encontro.
_ Deu certo! Deu certo! – Gritava eufórico o Sidnei. – Olha lá! Olha lá!
Quando viro a esquina e olho para a direção da casa onde joguei as bombas e vejo apenas uma fumaça subindo do mato, os garotos chorando enquanto tentam explicar, e alguns adultos dando-lhes a maior bronca. Percebo que na mão de um dos adultos está meu saquinho de bombas. Não havia percebido que o tinha perdido, mas vejo que foi ótimo, pois, pelo jeito dos adultos, pensavam que aquilo pertencia aos moleques. Se o plano não saiu como pensamos, saiu melhor do que esperávamos, pois nunca mais aqueles moleques nos espionaram.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 11


_ Eu tive um plano genial... – Anunciei, mostrando para os outros quatro um pedaço de cartolina vermelha. – Dá uma olhada nisso.
E assim dava início ao que considero meu primeiro ato criminal. Em uma mão a cartolina, na outra uma ficha de salgadinho da cantina, e elas eram da mesma cor. Idênticas.
_ Se a gente cortar do mesmo tamanho, é só esperar o movimento da cantina aumentar que acho que dá pra passar como ficha. O que acham?
Os quatro se entreolharam, com os olhos brilhando mas ainda confusos. Era como se um diabinho e um anjinho, cada um em um ombro, estivessem gritando em seus ouvidos para aceitarem e não aceitarem. Até que o Sidnei rompe o silêncio.
_ Tenta lá. Se der certo, ok, mas se falhar eu não tava sabendo de nada.
Os outros pareciam concordar, e topei o desafio.
_ Ok! Mas esse salgadinho vai ser meu. Se quiserem, cada um corre seu próprio risco.
Coloquei a ficha sobre a cartolina para marcar o tamanho certinho e, com cuidado de cirurgião, cortei a cartolina. Olhava hora uma hora outra para ver se dava pra notar alguma diferença. Na ficha original havia um carimbo da escola, mas a aposta era a correria e o sufoco da hora do intervalo para enganar o seu Josias, e lá fui eu, enquanto os outros observavam à distância.
O horário mais movimentado da cantina era logo que o sinal tocava. Todo mundo saia correndo, se acotovelando para conseguir comprar seu lanche primeiro. Alias, para trocar o dinheiro por fichas, então esperei um pouco para que, conforme mais alunos pegavam fichas, mais se aglomeravam frente ao balcão de troca. Poucos minutos depois estava aquele caos: gente sendo esmagada na frente; outros empurrando atrás; alguns com os braços estendidos sobre a cabeça dos outros enquanto gritavam o que queriam... e foi nessa hora que me aproximei.
Empurra daqui, empurra dali, estica o braço, da os gritos:
_ Salgadinho verde! Salgadinho verde!
Em instantes minha ficha é pega e no lugar me empurram um saquinho de salgadinho verde sabor cebola, e volto eu abrindo-o em direção à turma.
_ Me dá um pouco. – Fala o Tomás
_ Também quero. – Vai chegando o Cleber. O Sidnei fica no canto, quieto, só olhando.
_ Nada disso. Eu disse que se conseguisse seria todo meu. – E o saboreei tranquilamente.
_ É! Acho que vamos ter que entrar nessa... – disse, enfim, o Sidnei, quase que para si mesmo.

A ideia do Sidnei era a seguinte: no fundo da casa do Cleber tinha um quartinho que ficava vazio. O quartinho servia de edícula que alugavam para inquilinos vez ou outra, então tinha uma campainha para anunciar a chegada de alguém. Sempre que precisávamos estudar ou fazer algum trabalho íamos até lá e trancávamos a porta para não sermos incomodados, de modo que se os pais deles quisessem nos chamar era só tocar a campainha. Aproveitando desse espaço, diríamos que havia um trabalho chato da escola, e que teríamos que fazê-lo no sábado. Então nos trancamos lá com cartolinas da mesma cor que as fichas da cantina e iniciamos uma pequena produção de fichas falsificadas. Para dar mais realismo, o Hugo, que era o mais caprichoso, escrevia na borracha o nome da escola de trás para frente, imitando o escrito nas fichas, e carimbava as cartolinas que seriam recortadas. Não ficava igual, mas de longe dava pra enganar.
Segunda-feira chega. O grande dia do teste. Tínhamos em nossa posse algumas dezenas de fichas vermelhas, de doces e salgadinhos; verdes, de salgados; azuis, de refrigerante; e a mais valiosa, amarela, que era a de cachorro-quente, servido apenas às quartas-feiras.
_ E então? Por qual iniciaremos? – Disse o Tomas.
_ A de doce funcionou a primeira vez, sem carimbo nem nada. E se tentarmos um refrigerante? – Propôs o Sidnei.
_ Com a fome que estou toparia um salgado.
_ Se quiser arriscar, vai lá Cleber. – Falei – Mas, como o combinado, cada um se vira com o seu, e no caso de ser pego, nada de entregar os outros.
Todos concordaram com a cabeça. Alguns segundos de silêncio depois, o Cleber pega uma ficha verde e vai em direção à cantina. O movimento estava grande. Ele se aproxima e olha para trás, nos encarando, e acenamos positivamente para ele, incentivando-o. Ele entra na muvuca, se espreme e empurra e estica o braço e vai gritando:
_ Coxinha! Coxinha!
Uma das funcionárias que ajudavam o seu Josias na hora do intervalo pega sua ficha e lhe entrega uma coxinha, e o Cleber vai saindo, bem contente.
_ Cleber! – Era a voz do seu Josias.
O Cleber trava. Não consegue ir para frente e nem voltar para trás. Sua boca fica aberta, paralisada, pois estava prestes a morder a coxinha. Percebíamos a distância o seu desespero.
_ Oh, Cleber! Tá surdo? – Insistia o seu Josias.
Aos poucos, o Cleber vai se virando, ainda com a boca aberta e a coxinha na mesma altura que estava quando a levava à boca. Ele finalmente se volta para o seu Josias, sem dizer nada.
_ Se seu pai vier de novo falar que você tá gordo por causa dos salgados que come aqui, não te vendo mais coxinha, heim?
O Cleber só balança a cabeça, devagar, concordando. Se vira e vem em nossa direção. Estávamos todos aflitos. Com a boca ainda aberta apenas pronuncia:
_ Caramba. Quase me borrei todo...
_ Então fecha essa boca e come logo esse troço aí! – Falei, quebrando um pouco o clima de tensão.
Embora aquele tenha sido um grande susto, não nos impediu de continuar a usar nossas fichas, com cautela, claro, até que num dia, no meio da aula, recebo um bilhete passado de mão em mão vindo do Hugo. Abro-o:

Fui beber água e vi um monte de fichas rasgadas no chão da cantina. Fui ver e eram as nossas. Estão percebendo...

Olhei para trás e vi que o Tomas, o Sidnei e o Cleber também já estavam sabendo, e ficamos nos olhando, imaginando que já era hora de parar.

Na semana seguinte, as fichas haviam todas mudado, agora com marcas em alto relevo...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 10

(Não acompanhou desde o inicio? Então comece, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

É claro que minhas diversões não ocorriam somente aos fins de semana, tendo bons amigos na escola também. Era uma turma bem diferente dos meus primos, com outras formas de aventuras e confusões, mas eram meus melhores amigos quando não estava em família.
Meu melhor amigo era o Hugo, um ruivo com sardas nas bochechas e muito bonzinho. Tinha a dupla inseparável formada por Tomás e Sidnei. O Tomás era um pouco gordinho e bem rico, o que o tornava um pouco metido às vezes, e o Sidnei era o CDF da escola, o que nos ajudava muito na hora dos trabalhos e provas. Para fechar a turma vinha o Cleber, um garoto bem gordinho, baixinho e de cabelos enrolados. Adorava esportes, principalmente futebol, apesar de não se dar muito bem com eles devido ao seu porte físico.
Estávamos juntos desde a pré-escola, e acho que a lembrança mais antiga de uma bagunça que tenho dessa turma foi quando atiramos uma pedra na cabeça do Cleber. Foi mais ou menos assim: Estávamos os cinco no parquinho da escola, de modo que o Hugo, o Sidnei e eu estávamos ocupando os três únicos balanços que havia. O Tomás e o Cleber esperavam a vez, que não chegava nunca. Então o Tomás, de saco cheio, inventa que tinha uma brincadeira nova, para deixarmos para lá o balanço de modo que ele nos ensinaria como era. Curiosos, descemos dos balanços para acompanha-lo, levando-nos ao corredor atrás da sala de lanches.
_ É assim: cada um pega uma pedra na mão. – Disse mostrando as pedras, dessas usadas para fazer calçadas de jardim, e assim o fizemos. – Vamos tirar dois ou um e a pessoa que sair tem que correr o máximo que puder, tentando pular das pedras que vamos tacar em seus pés, ok?
Nem pensamos nas consequências e aceitamos de imediato, tirando o dois ou um. Quando o Cleber viu que tinha sido o único a mostrar o um com o dedo, saiu correndo imediatamente, enquanto começamos a jogar as pedras nele, pegando mais no chão. Conforme ele se afastava no longo corredor, mais fortes eram os arremessos, o que, devido a nossa falta de coordenação devido a pouca idade, mais alto eram lançadas, até que...
_ Ai! Ai! Ai! Tá doendo! – Começou a berrar o Cleber, com a mão na testa.
Todos travamos, como que acordando do que havíamos feito sem pensar. Com os gritos, a professora, dona Eleonor, veio correndo.
_ O que está acontecendo aqui? O que houve com sua cabeça, Cleber?
_ Eles jogaram pedras em mim, tia. – E mostrou a testa, vermelha e com um grande galo.
_ Onde vocês estavam com a cabeça? Vão já para a diretoria enquanto levo o Cleber pra colocar gelo nessa testa.
Fomos para a direção, ainda sem acreditar no que havia acontecido. Mesmo o Tomás estava assustado, pois, apesar de ter dado a ideia, não pensou que aquilo pudesse machucar alguém.
Nossos pais foram chamados e tivemos que tentar explicar o porquê daquilo, o que não conseguimos. E quando nos perguntaram quem tinha acertado a pedra, afinal, todos nos olhamos, inclusive o Cleber, sem saber que resposta dar. Realmente, não nos lembrávamos, e mesmo tempos depois, essa resposta desapareceu da cabeça de todos nós.

Depois da pré-escola fomos todos juntos para a mesma escola. Era uma escola pequena, com um pátio não muito espaçoso e uma cantina que vendia um pouco de tudo que era gostoso: salgadinhos, balas, refrigerantes, salgados, cachorro quente... só não vendia goma de mascar, para não colarmos embaixo das carteiras no meio da aula. Para que as garrafas de refrigerante não ficassem espalhadas pelo pátio, a cantina incentivava com balas quem as recolhessem: a cada cinco garrafas, davam uma bala. Bala, naquela época, era a moeda local da escola. Tudo se conseguia com ela.
_ Copia a lição pra mim?
_ Quantas balas eu ganho?
Ou mesmo:
_ Se você me dar uma bala eu deixo você brincar com o meu soldadinho no intervalo.
Como ter bala representava poder, resolvemos, os cinco, montar uma máfia da bala. Decidimos todos os dias nos espalhar pelo pátio e recolher o maior número possível de garrafas, trocando-as pelo nosso objeto de desejo, e para ajudar, recrutávamos os alunos mais novos.
_ Se vocês nos ajudarem a pegar garrafas, no final do intervalo a gente paga vocês com balas.
E eles aceitavam, já que, para evitar acidentes, os mais novos não entravam na proposta da troca com a cantina, não os incentivando a ficar andando pelo pátio carregando garrafas. Isso resultava num montante de cerca de dez balas ao final do intervalo, enquanto que, se fosse apenas nós cinco, não conseguiríamos nem metade.
Um amigo da nossa sala, o Mario, resolveu ajudar, e ele era muito bom, tendo um plano tonto mas funcional.
_ Seu Josias, trouxe algumas garrafas. Onde coloco?
_ Deixa no balcão, Mario, depois eu guardo.
_ Que isso, seu Josias. Pode deixar que eu coloco na caixa.
E assim ia o Mario, anunciando as garrafas que ia trazendo direto para a caixa e ganhando as balas, só que ao invés de a cada cinco garrafas, o Mario ganhava uma a cada três.
_ Aqui. Três garrafas, seu Josias... – E colocava dentro da caixa. Tirava duas, fingia que as pegava do chão, colocando-as na caixa de novo. - ... e mais duas. Manda uma bala aí.
O seu Josias, naquela correria e gritaria da molecada, acabava por nem perceber o golpe, o que nos rendia muitas balas. Como o Mario não era muito a fim de balas, ele trocava por outros favores: seu nome nos trabalhos escolares. Era uma ótima troca, para os dois lados.