(Não leu desde o inicio? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html)
Os meses passaram rapidamente,
sempre nas nossas farras: bar do Pescocinho, boate, passeios de bicicleta,
bebedeiras, cigarros... O Cleber, depois do ocorrido, passou a ser chamado de
Neuza por todos, ou Nê para os íntimos, o que o deixava bravo no inicio, mas se
acostumou rapidamente:
_ Neuza? Vai sair hoje?
_ Vai tomar no cu!
_ Vai sair ou não?
_ Vou. Que horas nos encontramos?
E assim por diante.
Por causa de uma greve na
universidade que meu irmão estudava as minhas aulas terminaram antes das dele,
o que me permitiu fazer uma visita. Ficaria cinco dias lá e voltaria junto com
ele. Meus pais me levaram até a cidade mais próxima onde tinha ônibus para lá
e, quase seis horas depois, chegava à rodoviária onde ele me esperaria. Fazia
tempo que não o via, cerca de quatro meses. Desci do ônibus e comecei a
procura-lo. Nada.
“Cuzão”, pensei, e me encostei
numa parede próxima e fiquei esperando. Quis acender um cigarro mas achei
melhor não, já que ele poderia chegar a qualquer momento. Pouco tempo depois o
vejo, mas quase sem acreditar que era ele: Seu cabelo estava bem maior, assim
como sua barba, coisa de bons meses sem cortar. Provavelmente os quatro que não
o via. Vestia um coturno cano alto e um casaco de couro enorme, praticamente um
sobretudo, e uma camiseta preta de banda de rock. No rosto, um óculos escuro todo
estiloso. Quase não o reconheci.
_ E aí babaca? – disse ele,
erguendo a mão para me cumprimentar.
_ E aí? – E fiz
a besteira de estender a mão.
Ele deu um
grande tapa na minha mão de modo que ardeu muito.
_ Porra, Lou!
Vai se foder!
_ Hahaha.
Fracote! Vamos? Tô com um amigo esperando de carro pra te buscar.
Joguei a
mochila nas costas e o segui, ainda esfregando a mão que doía. Ele andava mais
rápido, ficando sempre à frente, de modo que tinha que apressar para
acompanha-lo.
_ Tem cama pra
mim na pensão?
_ Não vamos
ficar na pensão. Arrumei uma república. Vou conversar com os pais nas férias e
assim que voltar no começo do ano me mudo pra lá. Me deixaram ficar uns dias
pra ir me acostumando. Tem até um quarto vazio de um cara que saiu há pouco
tempo.
_ E se os pais
não deixarem?
_ Não existe
isso.
Fiquei quieto.
Ele estava bem diferente.
A república era
legal, apesar de bem bagunçada. Logo na chegada fomos recepcionados por um
cachorro enorme mas bonzinho, o Fred, e nem saberia dizer a raça dele. Tinha
merda pra todo lado da área da casa. Dentro, uma grande sala, cozinha, um
banheiro central e três quartos, sendo um deles com banheiro também. O quarto
principal ficava com o Fabrício, que era quem tinha o carro e o cachorro. Um
sujeito magrelo e alto que fazia engenharia de alguma coisa. O outro quarto
ficava com o Rodrigo, um cara grandão, tanto em altura como em gordura. Quando
entramos estava em frente à TV.
_ Fala, Lorde.
– Disse o Rodrigo ao meu irmão.
Achei estranho,
pois quando entramos no carro do Fabrício na rodoviária ele havia chamado meu
irmão da mesma forma.
_ E aí Rodrigo.
Esse é meu irmão.
_ Opa! Beleza?
– E me cumprimentou.
_ Beleza. Mas
me fala uma coisa: tanto você como o Fabrício chamaram meu irmão de Lorde. Por
quê?
_ Ele não te
contou o apelido dele não? Todo mundo na faculdade chama ele de Lorde das
Trevas.
_ Lorde das
Trevas? Hahahahaha! – Não aguentei. – Por quê?
_ Olha o jeitão
dele! – Respondeu o Fabrício. – E falar uma coisa: quando seu irmão bebe, vira
o demônio em pessoa, hahahaha.
“Que massa!”
Pensei. Acho que ia ser divertido aqueles dias.
No primeiro dia
não fizemos muitas coisas. Como estava em final de semestre, meu irmão tinha um
monte de trabalhos pra entregar, e ficamos o dia todo na república. Aproveitei
pra brincar com o Fred, dar umas voltas no bairro enquanto fumava um cigarro e
assistir televisão. Uma coisa interessante foi ler algumas histórias em
quadrinhos que o pessoal tinha por lá. Coisas bem diferentes que nem sabia que
existiam. À noite, compraram pão e salsicha e fizeram cachorro quente. Nem
saímos de casa.
_ E amanhã? Vai
ser assim também? – Reclamei, esperando algo mais próximo ao que havia
presenciado anos atrás com o João.
_ Tenho que ir
pro campus amanhã. Se quiser ir, beleza. Mas ficarei o dia todo lá.
_ Tá. –
Respondi, desanimado, e fui ler mais uma história em quadrinhos.
Logo cedo o Lou
me acordou e fomos de ônibus para o campus. Nem tomamos café nem nada, pois ele
disse que o faríamos na cantina da faculdade. Fui bem desanimado, mas isso foi
mudando conforme nos aproximávamos do campus: ele era enorme, muito maior que o
próximo à escola que o João estudava. Lembrei que o pessoal na pensão do Lou
havia dito ter doze cursos. Aquilo começou a ficar mais interessante.
_ Babaca, eu
tenho aula. Então vamos na cantina e de lá você se vira. Tenho intervalo as
nove e quarenta e depois almoço ao meio-dia. Não vou ficar te procurando. Ou
você aparece na cantina nesse horário ou almoço sem você, entendeu?
_ Maravilha. –
Respondi mais animado, pois pelo jeito teria muita coisa pra fazer ali, assim
como, pelo que eu percebia, muitas gatas.
Depois do
chamado café universitário, que consistia em café com leite e pão com manteiga,
meu irmão foi para a aula. O acompanhei só para saber onde era a sala e de lá
fui conhecer o campus. Era realmente enorme, de modo que não sabia por onde
começar. Então comecei a seguir o fluxo de pessoas, principalmente onde havia
mais mulheres. Isso me levou à biblioteca, e, ao entrar, aquilo me impressionou
muito: fileiras e mais fileiras de livros, com mesas enormes espalhados por ela
onde os alunos ficavam estudando. O movimento era muito grande, e as pessoas
REALMENTE estudavam, concentradas.
Aquilo me
espantava por dois motivos: primeiro, na minha cidade nem biblioteca tinha,
então a visão de um lugar com tantos livros realmente era incrível. Segundo,
sempre ouvia dizer que faculdade era só farra e tudo mais, e imaginar que todas
aquelas pessoas estavam ali, longe dos seus pais, e estudando pra valer, era um
tanto fora da realidade para mim. Fiquei um bom tempo andando por entre as
fileiras de livros e observando o movimento até ter vontade de sair.
Depois disso
caminhei por entre vários blocos de salas de aula, e via a diferença de alunos
em cada parte. Alguns blocos tinham alunos bem playboyzinhos, bem vestidos e
com ar de metidos. Outros já apresentavam pessoas mais simples, com rodas de
baralho e muita conversa sobre diversos assuntos. Já em outros blocos um
pessoal bem maluco, com roupas mais soltas, cabelos estranhos, rodas de violão
e descontração. Era possível ver grupos com cigarros de maconha, e
impressionava a naturalidade com que fumavam e a falta de reação dos que por
ali passavam e os viam. Realmente eram mundos dentro de um mesmo mundo: a
universidade.
Passei pela
cantina no horário que meu irmão havia dito ser o intervalo, e estava lotada.
Tempo depois o avisto, o que era mais fácil pela forma como se vestia agora. Me
dirigi a ele, que estava com um grupo de amigos, e assim que me viu foi me
apresentando:
_ Galera, esse
é meu irmão Leo. Leo, essa é a galera.
Cumprimentei a
todos mas era impossível decorar os nomes. Todos pareciam bem normais, tendo
algumas garotas entre eles. Me perguntaram coisas sobre meu irmão que não
pareciam se tratar da mesmo pessoa que eu conhecera a vida inteira:
_ Como é ter um
irmão tão maluco assim?
_ Cara, como
você aguenta o Lorde? Ele não existe!
_ O Lorde se veste
assim desde pequeno?
Percebia que
meu irmão me olhava com certo ar de preocupação, e, percebendo, ajudei a manter
sua reputação, respondendo coisas que todos esperavam. Logo voltaram para a
aula.
_ Não esquece
da hora do almoço, heim? Tenho aula à tarde também, se não estiver aqui almoço
sem você.
_ Pode deixar.
_ E, Leo?
Valeu.
Apenas sorri e
voltei a passear pelo campus enquanto fumava um cigarro. Tinha muito o que ver
ainda.
Almoçar no
bandejão foi bem legal e diferente, mas a tarde não foi tão legal assim, pois
já não tinha tanta coisa diferente, de modo que acabei ficando na cantina boa
parte do tempo até o fim da aula da tarde. Meu irmão se aproximou.
_ Vamos embora
né? – Perguntei.
_ Daqui a
pouco. Só vou falar com um amigo e já vamos.
O seguia por
corredores e departamentos que não eram caminhos normais de alunos, e sim de
funcionário e professores. Entramos numa pequena sala onde havia um senhor em
frente a um computador. Achei estranho.
_ E aí
Valdomiro! – Meu irmão cumprimentou.
_ Salve Lorde
das Trevas!
E se
cumprimentaram como bons amigos. Meu irmão nos apresentou rapidamente e
começaram a conversar:
_ E o programa,
tá em pé? – Perguntou meu irmão.
_ Certeza
Lorde. Já separei um monte de coisas, dá uma olhada.
E começaram a
olhar nomes no computador que de inicio não saquei, mas depois percebi se
tratar de músicas de bandas de rock. A maioria eu não conhecia.
_ Posso levar
meu irmão?
_ Sem
problemas. Ele curte rock também?
Concordei com a
cabeça, ainda sem entender do que se tratava.
_ Então até
amanhã, na Fun House. – Disse meu irmão ao se despedir.
Esperei nos
afastarmos um pouco até perguntar:
_ O que é a Fun
House?
_ Você é burro
mesmo, heim? Não ouviu o que conversamos?
_ Ouvi sim. Sei
que falavam de bandas de rock, mas não entendi o que é isso. É alguma festa?
_ Não, burro. É
um programa de rádio. O Valdomiro tem esse programa aqui na rádio
universitária, e toda vez participo com ele.
_ Que massa!
_ Agora vamos
pra casa que tô um caco, mas amanhã tem Fun House no fim de tarde e, depois, todos
vamos para um boteco.
“Aí sim!”,
pensei. Finalmente alguma diversão...