quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Aos Meus Amigos - 3

(Não deixe de ler a Introdução em: http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html)


Um dos lugares preferidos para nossas brincadeiras era no Terreno do Circo. Demos esse nome a ele porque de tempo em tempo aparecia algum circo por ali, sempre de qualidade bem baixa. O terreno ficava a uma quadra da casa dos nossos avós, então sempre estávamos lá, principalmente encima de uma grande mangueira que tinha nele.
A árvore era nossa espaçonave. Cada canto representava uma parte da nave com seu setor e suas funções, que íamos revezando de acordo com a vontade geral. Numa das vezes avistamos um bêbado atravessando o terreno do circo, e o André, que era o capitão da vez, alertou:
_ Inimigo alienígena se aproximando. Vamos provoca-lo.
E lá fomos nós:
_ Tá ventando aí, tio?
_ ô, bafo de cachaça.
_ Vai apanhar da mulher chegando em casa.
_ Hahahahahahahaha...
_ Ah, molecada. Vocês vão ver só. – Tentava defender seu orgulho, o pobre indivíduo.
_ Vem pegar a gente então.
Desafio lançado e lá vai o bêbado, nervoso. Para em frente à árvore e tenta imaginar um jeito de subir. A árvore tinha um tronco alto, do qual tínhamos que dar ágeis pulos para segurar num dos galhos e fazer força para subir. Apesar do bêbado ser adulto, ainda era preciso uma boa habilidade para subir, e nas condições em que se encontrava, sabíamos que seria impossível. Estávamos protegidos.
_ Que foi tio, tá vendo duas árvores?
_ Hahahahahahaha...
_ Num tem problema não. – Falou o bêbado – Eu não preciso subir pra pegar vocês.
E começou a pegar mangas no chão para jogar em nós. Inicialmente ficamos preocupados, mas depois que ele tacou a primeira foram mais risadas, pois além da péssima mira, o estado ele era tal que não tinha força nem pra acertar a primeira fileira de galhos, e estávamos bem no alto.
_ Hahahahahaha. Vai comer espinafre, tio.
_ Vocês não vão me escapar. Uma hora vão ter que descer, e eu não saio daqui enquanto isso não acontecer – E se sentou no chão.
“Agora dançamos”, pensamos nós. Estava ficando tarde e ele estava certo: logo teríamos que descer. O Manezinho então falou: _ Espera aí... – E começou a descer, com cuidado.
_ O que é que você vai fazer? – Espantou-se o João, preocupado com o irmão mais novo, mas ele não deu bola.
Numa distração do bêbado, Manezinho se pendurou num galho que o levou até o chão, um pouco distante do tronco, manobra essa que costumávamos fazer em nossas brincadeiras para descer da nave, e saiu correndo gritando:
_ Vou chamar o pai. Ele vai vir aqui e quebrar a cara desse bêbado.
Nunca que o tio Mané faria isso, e ele nem estava na casa da vó Cotinha, mas isso serviu para deixar o bêbado assustado, que, a princípio, esboçou tentar correr atrás do Manezinho, mas acabou desistindo, vendo que ele já virava a esquina.
_ Seus fia da puta – Saiu praguejando – Eu ainda pego vocês, seus vermezinhos... – E foi embora por onde veio.
Descemos da árvore e corremos em direção à casa da vó Cotinha. Viramos a esquina e avistamos o Manezinho saindo de trás de um caminhão.
_ Deu certo? Ele foi embora? 
Todos demos risadas, aliviados, e fomos para a casa da vó, já esperando o café da tarde com suco de pozinho e pão bengala com manteiga que ela sempre preparava.


(Não deixe de ler a continuação em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/10/aos-meus-amigos-4.html )

domingo, 22 de setembro de 2013

Aos Meus Amigos - 2

_ Pra onde vamos hoje? – Perguntei.
_ Vamos para o lado do estádio. – Sugeriu o André.
_ Não sei não! Sempre têm uns moleques encrenqueiros naqueles lados... – Nos alertava João, que era o mais velho dos quatro. Mas isso não intimidou o André, que era o mais arteiro e com ideias mais ousadas, e já emendou:
_ Qualquer coisa a gente sai correndo. Quero ver me pegarem.
Um olhava para o outro, esperando algum sinal de reprovação frente tal ideia. Como não veio, lá fomos nós na direção do estádio pela marginal de terra.
Postávamos corrida um com o outro, mas sempre maneirando na velocidade quando alguém ficava muito para trás. Vez e outra parávamos para olhar um maço de cigarro vazio no chão ou para brincar em alguma parte do córrego.
_ Tá calor hoje, né? – Comentou o Manezinho.
_ E se a gente brincasse de guerra de lama? – Disse o André, já se aproximando da beira do córrego para pegar o barro encharcado.
_ Melhor não. Minha mãe me mata se eu chegar molhado na casa da vó. – Alertei. Mas, mais uma vez, o André tinha uma ideia genial:
_ Ué! A gente finge que caiu sem querer na água, e pronto. – A ideia caiu como uma luva para todos, e ninguém desconfiou que nossos pais não acreditariam de jeito nenhum naquela história.
E a guerra começou. Lama para todo lado, pulando dentro da água com gritos disfarçados do tipo “Opa! Escorreguei”. Eu usava uma camiseta branca, com um cachorro estampado. Não era nova, mas era uma das boas camisetas para se usar no dia-a-dia ainda. Claro que depois disso virou pano de chão...
O João era cheio de querer armar estratégias para tudo, e começou a montar um bunker de terra para se proteger enquanto pedia para o Manezinho fazer bolinhas de barro para jogar na gente. Automaticamente, André e eu já nos vimos como a dupla inimiga dos dois, e começamos a nos armar também.
_ Pega aquela madeira. Tive uma ideia.
Outra das ideias do André, e sempre as que traziam mais problemas para nós, mas a gente sempre acabava topando. Corri e peguei a madeira. Era dessas tábuas compridas, em forma de prancha, usadas em construção. Levei a tábua para o André e ele já havia preparado uma pedra como base para improvisarmos uma catapulta. Enchemos um dos lados da madeira de barro e demos início ao plano: começamos a mexer com o João e o manezinho, jogando algumas bolas de lama neles enquanto eles revidavam, num volume bem maior. Fomos recuando aos poucos para que eles pudessem avançar mais, e, assim que percebemos que os dois estavam a uma distância boa e próximos um do outro, o André gritou:
_ É AGORA! VEM!
Saí correndo e no “Já” combinado pulamos os dois na ponta erguida da madeira, esperando que aquele monte de barro voasse sobre nossos “inimigos” da brincadeira. O barro mal levantou um metro de altura e ainda por cima levamos um belo tombo. Mal conseguimos levantar, decepcionados com nossa arma mortífera, quando uma bola de barro atinge cada um de nós, seguida de várias outras.
_ Hahahaha! Seus tontos. Agora vão sofrer...
E lá vai os quatro, rolando por todo aquele barro, um tentando sujar mais o outro, até que nos cansamos e decidimos nos limpar na água do córrego.
Quando começamos a voltar, avistamos dois meninos no meio da rua de terra com pedras na mão. Faziam sinal para pararmos. Ficamos com pé atrás, mas o fizemos.
_ Deixa a gente dar uma volta na bicicleta de vocês. – Falou um dos meninos.
_ É só uma voltinha. Não vamos demorar. – Falou o outro, sempre exibindo as pedras na mão.
O João tentou se esquivar do pedido:
_ É que a gente tá com pressa. Já estamos atrasados e vamos apanhar em casa se demorarmos mais.
_ Vocês é que sabem. Ou apanham em casa ou apanham aqui.
Um olhou para o outro, sem saber o que fazer, até que ouvimos o André gritar:
_ CORRE! PEDALA O MAIS RÁPIDO QUE PUDER...
Todos fomos pegos de surpresa, inclusive os dois moleques, mas no desespero fizemos o que o André gritou, e saímos com tudo. Apesar do esforço e do medo, era possível perceber pedras passando perto de nós, sendo atiradas pelos dois moleques, até que senti uma forte pancada na cabeça, dando um clarão na vista, e logo as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto, mas não parava de pedalar por nada. Tempo depois, o João para próximo a um bar que o pai dele costumava ir.
_ Ufa! Escapamos por pouco. Vamos tomar água aqui.
_ Que foi Leo? Tá chorando de medo?

Respondi à pergunta do Manezinho levando a mão à cabeça e mostrando um pouco de sangue. Todos ficaram assustados. Entramos no bar do seu Terso e mostramos para ele o ferimento. Ele deu uma olhada e disse que não era nada sério, só um pequeno cortinho. Pegou com pouco de gelo, colocou num saquinho e falou para deixar ali por um tempo, para desinchar. Tomamos água da torneira, descansamos um pouco e fomos embora. Nem precisa dizer que não pude dormir nos meus avós naquela noite, tanto por causa da roupa como pelo galo na cabeça.

(Não deixe de ler a continuação em: http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-3.html )

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Aos Meus Amigos - 1


Creio que posso considerar meus primeiros melhores amigos como sendo meus primos. É aquela velha história, ao menos nas famílias da minha época: família grande e que sempre se reúne na casa de um dos avós aos fins de semana. Esses avós, no caso, eram os avós maternos: Vô Tonico e Vó Cotinha. Os tios eram Osório, o mais velho e que seus filhos não tive muito contato devido à diferença de idade; Tia Matilde, no qual seus netos se tornaram bons amigos mais tarde; Tio Mané, esse sim um grande tio para minha infância, com seus filhos João e Manezinho. Tinha a Tia Josefa também, no qual um dos filhos, André, era quem fechava a quadrilha dos primos: João, Manezinho, André e eu, que era filho da caçula dos avós Tonico e Cotinha, Marilda.
Alias, nem me apresentei. Me chamo Leonardo Félix, filho caçula de Marilda e Francisco, e tenho um irmão do meio, Lourenço, e uma irmã mais velha, Rosália. Moramos numa cidade pequena do interior do estado, o que permite uma vida mais tranquila à liberdade e segurança.
Praticamente todos os dias visitávamos o Vô Tonico e a Vó Cotinha. Mas os momentos mágicos mesmo eram aos fins de semana. Chegava da escola e, depois de almoçar e fazer o dever de casa, pegava minha bicicleta, colocava roupas na mochila e lá ia eu para a casa dos avós, onde só voltava no domingo a noite e muitas vezes aos berros por querer ficar.
Meus primos nem sempre dormiam lá aos fins de semana, sobretudo o André, que tinha medo do escuro, mas mesmo assim sempre nos encontrávamos para nossas brincadeiras e aventuras. Geralmente o Vô Tonico saia para caminhar aos sábados cede, pela marginal que passava a poucas quadras de sua casa, ainda de chão de terra, e ia até o matadouro municipal. Para nós era uma farra, pois enquanto nosso avô caminhava aproveitávamos para brincar de guerra de mamona, atravessar o córrego de um lado para o outro equilibrando sobre os canos que o cruzavam e procurando marcas de cigarro pelo chão, que todos nós colecionávamos. E chegar ao matadouro era sempre chocante: restos de ossos de gado espalhados por todos os lados e urubus entre eles. Quando chegávamos em horário de matança, o sangue era jogado no rio, o que o tornava completamente vermelho. Era o Rio de Sangue, como chamávamos. Penso que nos levar até lá foi a forma de meu avô nos ensinar sobre a morte...

Lembro-me uma vez em que o André sugeriu que pegássemos alguns ossos maiores, enrolássemos as camisetas na cabeça e fossemos até a beira da rodovia que passava por ali assustar os motoristas. Não sei como o Vô Tonico não percebeu a movimentação, mas quando nos viu no alto do barranco ao lado da rodovia e fazendo aquela farra ficou muito bravo.
_ Vocês podiam morrer lá. E se um caminhão perde a direção? A mãe de vocês vai ficar sabendo disso...
Essa era uma ameaça gigantesca, principalmente para mim, pois sabia que qualquer castigo implicaria em não dormir os fins de semana na casa dos avós. Voltamos todos cabisbaixos para casa, sem guerra de mamona ou brincadeira no córrego.

Em muitos fins de semana nossos pais iam ao jogo de futebol do time da cidade, e os primos todos ficavam com a Vó Cotinha. Era uma farra, pois nos davam alguns trocados para podermos gastar no bar da esquina ou na sorveteria ao lado. Nossos doces prediletos eram a caixinha surpresa, que, como o nome diz, era sempre uma surpresa de que doce e soldadinho de plástico viria dentro; um pirulito em que se passava num pozinho azedo antes de levar à boca; e o arroz doce, um tipo de salgadinho doce em forma de arroz numa embalagem rosa. Eu também gostava do sorvete quente, que era uma maria-mole em forma de bola de sorvete numa casquinha. Ficávamos todos à frente da TV branco e preto comendo nossos doces até acabar e ir ao barzinho ou sorveteria novamente.
Outra brincadeira comum era fazer cabaninha com as várias madeiras que o Vô Tonico mantinha atrás da casa. Direto a cabana desmontava e era todo mundo saindo de baixo das madeiras esfregando a cabeça de dor, mas sempre tentávamos montar novamente e nos enfiávamos todos dentro dela. Quando ela se mantinha por mais tempo começávamos a fantasiar, dias simulando uma pequena cidade em que cada um tinha uma profissão e morávamos todos juntos, ou numa cena de guerra, em que lutávamos contra inimigos imaginários e aquele era nosso acampamento.

Sim, tínhamos bastante espaço na casa de nossos avós. Um quintal com mangueira, horta, roseiras, pés de fruta, além de outras plantas, que eram a paixão da Vó Cotinha. Mas além do quintal também aproveitávamos os fins de semana andando de bicicleta...

(Não deixe de ler a continuação em: http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-2.html )

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Aos Meus Amigos – Introdução



Todo mundo precisa de amigos. E em todas as fases da vida. Alguns amigos nos acompanham desde que somos pequenos, desde nossa infância. Outros vão sendo encontrados ao longo da vida. Mas uma coisa é certa: todo mundo precisa de amigos.
Quando somos pequenos toda criança que encontramos, não importa onde, é nossa amiga. Basta um olhar, uma curiosidade sobre o que o outro está fazendo que já nos aproximamos e nos enturmamos. Em poucos minutos já apresentamos aquele pequeno companheiro como um amigo.
_ Vem comer. Já!
_ Agora não quero. Estou brincando com o meu amigo.
Depois cada um segue seu caminho, nunca mais se veem, e lá se vai um dos muitos amigos que a vida nos afasta, mesmo que ele não nos faça a menor falta no dia seguinte e nunca mais nos lembremos dele. Mas a palavra foi pronunciada: AMIGO. E no momento em que estivemos com ele nos divertimos muito. Foi um momento mágico.
Lembro-me uma vez, quando era muito pequeno sem ter ideia de que idade tinha, que joguei bola com um garoto num clube que frequentava com minha família. Essa cena não desaparece, ficou gravada na memória, mas até hoje não sei quem era aquele garoto. Será que se tornou um dos meus amigos e nem me lembro? Será que foi nosso único encontro? Por que essa cena se registra como uma das mais antigas quando penso na palavra “amigo”? E a cena que se repete é justamente a da hora da despedida...

(Leia a continuação em: http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-1-nao-deixe-de-ler.html )