Como dizem, a vida continua...
depois da morte da vó Cotinha procurei passar todos os dias na casa do vô
Tonico, me habituando a levar o pão enquanto ele me aguardava com o café e as
bolachas para um café da tarde. Era nítido o quanto envelhecera num curto
período de tempo, passando a utilizar uma bengala para caminhar e parando de
beber por conta dos remédios que agora tinha que tomar. Só o cigarro que não
conseguia largar. Quase não falava, apenas respondendo as perguntas que eu
fazia. Vez ou outra contava alguma história que sempre envolvia uma lembrança
boa da vó Cotinha, e seus olhos se enchiam de lágrimas, e então voltava a se
calar. Eram momentos tristes, mas eu os mantinha por medo de perdê-lo mais
brevemente.
Em casa estava tudo bem: minha
irmã teve um lindo menino no qual deram o nome do pai. Como o Roberto já tinha
o nome do seu pai, o filho deles ficou sendo Roberto Neto, ou seja, o Neto. Meus
pais estavam muito orgulhosos por serem avós, e sempre levavam o neto para ver
se animavam o bisavô, que realmente ficava feliz, mas sem a mesma energia que
tinha antigamente, já não fazendo as brincadeiras que tanto gostávamos quando crianças.
Meu irmão havia prestado vestibular e todos aguardavam ansiosos os resultados,
que sairiam apenas no início do ano. Meu interesse era saber se passaria em
alguma cidade bem legal para poder visitá-lo e aproveitar mais o pouco que havíamos
presenciado com o João.
Já na escola as coisas não iam
tão bem. Eu tinha passado de ano após várias recuperações e quase um exame, e
meus pais viviam me cobrando pelo fato do Lourenço ser um exemplo de aluno. Eu
nem mesmo sabia o que queria da vida. Mas as amizades estavam a mil, ainda mais
pela total união entre a turma da escola e a turma dos primos.
_ Natal vai ser com a família,
mas Ano Novo promete, heim? – Comentei em meio a uma partida de bilhar no bar
do Pescocinho.
_ Nós vamos na avenida do bairro
né? – Perguntou o Hugo.
_ É lá que a coisa pega. Vai ser
massa. – Respondeu o André.
Além de nós três estavam também o
Jonatan, o Manezinho, o Cleber e o Mário. A avenida do bairro era uma avenida
que ficava nos limites da cidade, num bairro onde não haviam muitas casas construídas,
o que permitia muita gente parar lá com os carros com o som ligado e a galera
bebendo e curtindo, além de ter um nascer-do-sol maravilhoso que todos
esperavam para anunciar o Ano Novo. Aquele era o primeiro ano que eu poderia
ficar até o amanhecer.
Revezávamos as duplas conforme o
resultado de cada partida, e na mesa sempre uma garrafa de cerveja, que era o
que mais gostávamos e juntávamos dinheiro para poder beber. Pra variar, idade
não era problema no bar do Pescocinho.
_ E tá pegando aquela mina ainda
Jonatan? – Perguntou o Manezinho.
_ De vez em quando só. Ela é meio
louca. O Silvinho disse que o pelo da boceta dela é verde.
Caímos na risada.
Naquela altura alguns de nós já
tinham iniciado suas vidas sexuais, mas o Hugo, o Cleber, o Mário e eu ainda
não. O André vivia me dizendo que arrumaria uma garota pra mim, e aquilo me
empolgava ao mesmo tempo que me deixava nervoso.
_ Ganhei mais uma, hahaha. –
Vangloriava o André. – Vamos pra balada, moçada?
Terminamos as bebidas, pagamos a
conta e fomos para a boate, mas não para a mesma de sempre, já que um clube no
centro havia inaugurado uma nova boate que estava sendo a sensação do momento
apesar de não ter nada de mais em relação à outra, a não ser por ter dois
andares: embaixo ficava o bar e uma banda que geralmente tocava pagode, e
encima era o som dance.
_ Hahaha! Olha lá uma desprevenida
que veio de saia. Não deve ser daqui. – Disse o Mário, apontando uma menina
subindo as escadas que tinham os vão vazados, de modo que quem estava embaixo
podia ver a calcinha.
_ Da hora! – Concordamos todos.
Compramos doses de conhaque e refrigerante,
dividimos em copos para todos e subimos. Observamos o movimento e nos postamos
no lugar de sempre, que era próximo a uma grande janela e acendemos nossos
cigarros. Da turma da escola apenas o Cleber começou a fumar, sem ninguém
insistir, e o que o diferenciava de antes é que já não era tão gordo.
_ Passa o isqueiro. – Pediu o
André para o Jonatan.
O Jonatan já sacou a arte e
entregou o isqueiro, disfarçando para que o Hugo não visse, sendo ele a vítima
da vez. O André se aproximou dele e acendeu o isqueiro na sua perna. Como ele
estava de calça jeans não havia o risco de pegar fogo, mas certamente sentiria
o calor em segundos.
_ Ai, Porra! Vocês são foda! –
Gritou o Hugo.
_ Hahahahaha! – Todos caímos na
risada.
_ Vocês tão fodidos comigo. Deixa
você marcar André, que vou me vingar. – Desbravava já dando risada também o
Hugo.
Copos eram esvaziados, cigarros
acendidos e a noite seguia, hora um aprontando com o outro, hora alguém tomando
fora de alguma garota. Subíamos e descíamos as escadas conforme enjoávamos de
algum lugar, e a cada volta era uma forma de encontrar mais conhecidos e novas
paqueras. Como não tínhamos mais hora exata para ir embora geralmente ficávamos
até o fim. O fim mesmo:
_ Espera a maioria sair e vamos
procurar coisas. – Sugeriu o Jonatan.
E lá íamos nós, olhando para o
chão procurando dinheiro perdido ou algum outro objeto. Era comum cair algo no
meio da balada e aquilo não ser achado na hora.
_ Achei cinquenta centavos! – Anunciava
um.
_ Tem um brinco aqui. Nem vou pegar.
– Dizia outro.
_ Hahaha! Uma camisinha! –
Mostrava mais um.
_ Vai molecada! A farra acabou!
Circulando! – Vinha o segurança nos tirando do salão.
_ Padaria ou praça? – Era a
dúvida o Cleber ao sair.
_ A padaria vai demorar pra abrir
e já tô meio cansado. Vamos pra praça mesmo. – Sugeriu o Manezinho.
Mais cigarros acesos e seguimos
em direção à praça, onde havia uma barraquinha de lanches e lá se concentrava
parte da turma que saia da boate.
_ Vai mais um conhaque com soda? –
Perguntei.
_ Pra mim já deu. – Respondeu o
Hugo.
_ Tomo com você Leo. – Aceitou o
Cleber.
Pedimos nossos lanches e bebidas e
lá ficamos, relembrando a noite e traçando grandes planos para o domingo e o
restante da semana. Comemos nossos lanches, acendemos novos cigarros, refrigerante
pra dar uma acalmada na bebedeira e a hora de ir embora se aproximava.
_ Olha lá sua namorada Jonatan. –
Apontou o Manezinho.
_ Será que termino a noite bem? –
Respondeu ele. – Ela tá com uma amiga. Se alguém for comigo eu vou, se não,
não.
_ Eu vou com você. – Se convidou
o André.
E lá foram os dois, conversando
brevemente e saindo com as duas em direção a algum bairro menos movimentado à
procura de algum lugar para um possível coito.
_ Esses dois são foda... –
Choramingou o Hugo.
_ Nossa hora vai chegar. –
Respondi.
_ Era só um de vocês ter se
convidado para ir com o Jonatan. – Cutucou o Manezinho.
Ficamos quietos por nossa
covardia.
_ Bora então moçada? – Sugeriu o
Manezinho.
_ Vamos sim. Alguém tem uma bala
pra disfarçar o bafo do cigarro aí? – Perguntei.
_ Acho que o Cleber tem. –
Respondeu o Hugo.
E quando olhamos o Cleber estava
dormindo na grama...