quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 12

(Não leu do início? Então aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Assim como havia várias sociedades secretas e clubes de reunião de pessoas importantes, resolvemos montar um clube. Demos o nome de VTDI, sigla para Você Tá Dentro?, de modo que o I era referente ao Interrogação, e tal nome se dava para a pergunta feita a todos quando era proposto algum desafio ou aventura. As reuniões eram feitas na casa do Tomas, e lá trocávamos segredos e decidíamos sobre o futuro da humanidade. Óbvio que não tinha nada de político nisso, e sim questões ligadas aos nossos próprios interesses.
A casa do Tomas tinha sido escolhida por ter um sobrado no fundo, espaço com piscina, sala de estudos, sala de música, computador, churrasqueira e tudo mais. Como os pais dele trabalhavam o dia todo e na casa ficava apenas a avó e a empregada, ali era nosso clube particular.
_ Esses vizinhos estão enchendo o saco. – Disse o Tomas, enquanto estávamos na parte superior do sobrado, apontando para um grupo de garotos que usavam uma escada para subir no muro e nos espionar. – Devíamos dar um jeito neles.
_ O medo é o melhor remédio. – Foi a resposta do Sidnei, não falando mais nada, até que o Hugo, não aguentando, questiona:
_ Que quer dizer com isso, Sidnei?
_ Que se dermos um susto neles, não farão mais isso.
_ E como faremos isso? – Começou a se interessar o Cleber. Que já havia discutido com um daqueles garotos num jogo de bola no campinho da esquina.
_ Acho que sei. – respondi.
Em uma das vezes que dormi na casa do meu primo André, o Silvinho nos mostrou como brincar com fogos de artifício sem gastar nada: bastava colocar fogo em um pedaço de esponja de aço e ficar rodando. As faíscas que saem são incríveis. Então sugeri que usássemos aquilo para assustá-los, colocando alguns pedaços de esponja de aço presos à bicicleta, colocar fogo e persegui-los, dizendo que se continuassem a nos espionar, faríamos suas casas pegar fogo. Todos gostaram da ideia, menos o Sidnei, que ainda ficou insatisfeito e queria mais.
_ Vamos usar umas bombas também. A gente persegue eles com o fogo e, quando entrarem na casa, jogamos umas bombas para assustá-los mais. Ai sim eles se convencerão.
_ Mas onde vamos arrumar as bombas? Não podemos comprar. – Disse o Hugo.
_ Será que seu primo consegue, Leo?
A pergunta do Sidnei foi como uma piada para mim. O André estava numa escola com uma turma barra pesada, e coisas assim eram muito fáceis para ele. Acenei positivamente, com um leve sorriso no rosto.

O dia chegou, com tudo preparado. Pegamos uma bicicleta velha que o pai do Cleber não usava mais e colocamos faixas de esponja de aço presas a ela, na parte de trás. Como eu era o mais ágil, fui o escolhido para executar a missão, enquanto os outros dariam o suporte e as informações via sinais previamente combinados. Carregava comigo uma sacola com várias bombas de baixa carga, mas suficientes para assustar. Era o máximo de potência que um adulto conseguiria comprar, e não tinha sido um adulto a fazê-lo, mas sim um dos amigos do André. Quando o Hugo deu o sinal com o estouro de uma bexiga, o Cleber acendeu as faixas de esponja de aço e sai com tudo de bicicleta, de modo que o sinal indicava que os moleques haviam saído de casa.
Vummm... Passei com tudo próximo a eles, com a cabeça coberta com um capuz e a bicicleta pegando fogo e soltando faíscas de todo lado.
_ Que porra é essa? – Gritou um dos moleques.
Dei a volta na quadra de baixo e segui novamente na direção deles, riscando uma bomba na lixa da caixa de fósforos que havíamos fixado no guidão, acendendo-o e jogando na calçada, próximo a eles.
Booommm!!!
_ Caraio! CORRE MOLECADA...
Os três moleques deram meia volta e correram para a casa de um deles, entrando às pressas.
Parei em frente à casa e comecei a riscar mais bombas e a atirar no quintal da casa. De repente percebo fogo subindo: havia um monte de plantas secas no quintal, e elas começaram a pegar fogo. Ao ver isso, sai correndo, desesperado.
Dei a volta no quarteirão, parando próximo a uma construção abandonada, tirei o capuz, escondi a bicicleta, e comecei a voltar, em direção à casa do Tomas. Antes de chegar na esquina, vejo o Sidnei, o Cleber, o Hugo e o Tomas correndo ao meu encontro.
_ Deu certo! Deu certo! – Gritava eufórico o Sidnei. – Olha lá! Olha lá!
Quando viro a esquina e olho para a direção da casa onde joguei as bombas e vejo apenas uma fumaça subindo do mato, os garotos chorando enquanto tentam explicar, e alguns adultos dando-lhes a maior bronca. Percebo que na mão de um dos adultos está meu saquinho de bombas. Não havia percebido que o tinha perdido, mas vejo que foi ótimo, pois, pelo jeito dos adultos, pensavam que aquilo pertencia aos moleques. Se o plano não saiu como pensamos, saiu melhor do que esperávamos, pois nunca mais aqueles moleques nos espionaram.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 11


_ Eu tive um plano genial... – Anunciei, mostrando para os outros quatro um pedaço de cartolina vermelha. – Dá uma olhada nisso.
E assim dava início ao que considero meu primeiro ato criminal. Em uma mão a cartolina, na outra uma ficha de salgadinho da cantina, e elas eram da mesma cor. Idênticas.
_ Se a gente cortar do mesmo tamanho, é só esperar o movimento da cantina aumentar que acho que dá pra passar como ficha. O que acham?
Os quatro se entreolharam, com os olhos brilhando mas ainda confusos. Era como se um diabinho e um anjinho, cada um em um ombro, estivessem gritando em seus ouvidos para aceitarem e não aceitarem. Até que o Sidnei rompe o silêncio.
_ Tenta lá. Se der certo, ok, mas se falhar eu não tava sabendo de nada.
Os outros pareciam concordar, e topei o desafio.
_ Ok! Mas esse salgadinho vai ser meu. Se quiserem, cada um corre seu próprio risco.
Coloquei a ficha sobre a cartolina para marcar o tamanho certinho e, com cuidado de cirurgião, cortei a cartolina. Olhava hora uma hora outra para ver se dava pra notar alguma diferença. Na ficha original havia um carimbo da escola, mas a aposta era a correria e o sufoco da hora do intervalo para enganar o seu Josias, e lá fui eu, enquanto os outros observavam à distância.
O horário mais movimentado da cantina era logo que o sinal tocava. Todo mundo saia correndo, se acotovelando para conseguir comprar seu lanche primeiro. Alias, para trocar o dinheiro por fichas, então esperei um pouco para que, conforme mais alunos pegavam fichas, mais se aglomeravam frente ao balcão de troca. Poucos minutos depois estava aquele caos: gente sendo esmagada na frente; outros empurrando atrás; alguns com os braços estendidos sobre a cabeça dos outros enquanto gritavam o que queriam... e foi nessa hora que me aproximei.
Empurra daqui, empurra dali, estica o braço, da os gritos:
_ Salgadinho verde! Salgadinho verde!
Em instantes minha ficha é pega e no lugar me empurram um saquinho de salgadinho verde sabor cebola, e volto eu abrindo-o em direção à turma.
_ Me dá um pouco. – Fala o Tomás
_ Também quero. – Vai chegando o Cleber. O Sidnei fica no canto, quieto, só olhando.
_ Nada disso. Eu disse que se conseguisse seria todo meu. – E o saboreei tranquilamente.
_ É! Acho que vamos ter que entrar nessa... – disse, enfim, o Sidnei, quase que para si mesmo.

A ideia do Sidnei era a seguinte: no fundo da casa do Cleber tinha um quartinho que ficava vazio. O quartinho servia de edícula que alugavam para inquilinos vez ou outra, então tinha uma campainha para anunciar a chegada de alguém. Sempre que precisávamos estudar ou fazer algum trabalho íamos até lá e trancávamos a porta para não sermos incomodados, de modo que se os pais deles quisessem nos chamar era só tocar a campainha. Aproveitando desse espaço, diríamos que havia um trabalho chato da escola, e que teríamos que fazê-lo no sábado. Então nos trancamos lá com cartolinas da mesma cor que as fichas da cantina e iniciamos uma pequena produção de fichas falsificadas. Para dar mais realismo, o Hugo, que era o mais caprichoso, escrevia na borracha o nome da escola de trás para frente, imitando o escrito nas fichas, e carimbava as cartolinas que seriam recortadas. Não ficava igual, mas de longe dava pra enganar.
Segunda-feira chega. O grande dia do teste. Tínhamos em nossa posse algumas dezenas de fichas vermelhas, de doces e salgadinhos; verdes, de salgados; azuis, de refrigerante; e a mais valiosa, amarela, que era a de cachorro-quente, servido apenas às quartas-feiras.
_ E então? Por qual iniciaremos? – Disse o Tomas.
_ A de doce funcionou a primeira vez, sem carimbo nem nada. E se tentarmos um refrigerante? – Propôs o Sidnei.
_ Com a fome que estou toparia um salgado.
_ Se quiser arriscar, vai lá Cleber. – Falei – Mas, como o combinado, cada um se vira com o seu, e no caso de ser pego, nada de entregar os outros.
Todos concordaram com a cabeça. Alguns segundos de silêncio depois, o Cleber pega uma ficha verde e vai em direção à cantina. O movimento estava grande. Ele se aproxima e olha para trás, nos encarando, e acenamos positivamente para ele, incentivando-o. Ele entra na muvuca, se espreme e empurra e estica o braço e vai gritando:
_ Coxinha! Coxinha!
Uma das funcionárias que ajudavam o seu Josias na hora do intervalo pega sua ficha e lhe entrega uma coxinha, e o Cleber vai saindo, bem contente.
_ Cleber! – Era a voz do seu Josias.
O Cleber trava. Não consegue ir para frente e nem voltar para trás. Sua boca fica aberta, paralisada, pois estava prestes a morder a coxinha. Percebíamos a distância o seu desespero.
_ Oh, Cleber! Tá surdo? – Insistia o seu Josias.
Aos poucos, o Cleber vai se virando, ainda com a boca aberta e a coxinha na mesma altura que estava quando a levava à boca. Ele finalmente se volta para o seu Josias, sem dizer nada.
_ Se seu pai vier de novo falar que você tá gordo por causa dos salgados que come aqui, não te vendo mais coxinha, heim?
O Cleber só balança a cabeça, devagar, concordando. Se vira e vem em nossa direção. Estávamos todos aflitos. Com a boca ainda aberta apenas pronuncia:
_ Caramba. Quase me borrei todo...
_ Então fecha essa boca e come logo esse troço aí! – Falei, quebrando um pouco o clima de tensão.
Embora aquele tenha sido um grande susto, não nos impediu de continuar a usar nossas fichas, com cautela, claro, até que num dia, no meio da aula, recebo um bilhete passado de mão em mão vindo do Hugo. Abro-o:

Fui beber água e vi um monte de fichas rasgadas no chão da cantina. Fui ver e eram as nossas. Estão percebendo...

Olhei para trás e vi que o Tomas, o Sidnei e o Cleber também já estavam sabendo, e ficamos nos olhando, imaginando que já era hora de parar.

Na semana seguinte, as fichas haviam todas mudado, agora com marcas em alto relevo...

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 10

(Não acompanhou desde o inicio? Então comece, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

É claro que minhas diversões não ocorriam somente aos fins de semana, tendo bons amigos na escola também. Era uma turma bem diferente dos meus primos, com outras formas de aventuras e confusões, mas eram meus melhores amigos quando não estava em família.
Meu melhor amigo era o Hugo, um ruivo com sardas nas bochechas e muito bonzinho. Tinha a dupla inseparável formada por Tomás e Sidnei. O Tomás era um pouco gordinho e bem rico, o que o tornava um pouco metido às vezes, e o Sidnei era o CDF da escola, o que nos ajudava muito na hora dos trabalhos e provas. Para fechar a turma vinha o Cleber, um garoto bem gordinho, baixinho e de cabelos enrolados. Adorava esportes, principalmente futebol, apesar de não se dar muito bem com eles devido ao seu porte físico.
Estávamos juntos desde a pré-escola, e acho que a lembrança mais antiga de uma bagunça que tenho dessa turma foi quando atiramos uma pedra na cabeça do Cleber. Foi mais ou menos assim: Estávamos os cinco no parquinho da escola, de modo que o Hugo, o Sidnei e eu estávamos ocupando os três únicos balanços que havia. O Tomás e o Cleber esperavam a vez, que não chegava nunca. Então o Tomás, de saco cheio, inventa que tinha uma brincadeira nova, para deixarmos para lá o balanço de modo que ele nos ensinaria como era. Curiosos, descemos dos balanços para acompanha-lo, levando-nos ao corredor atrás da sala de lanches.
_ É assim: cada um pega uma pedra na mão. – Disse mostrando as pedras, dessas usadas para fazer calçadas de jardim, e assim o fizemos. – Vamos tirar dois ou um e a pessoa que sair tem que correr o máximo que puder, tentando pular das pedras que vamos tacar em seus pés, ok?
Nem pensamos nas consequências e aceitamos de imediato, tirando o dois ou um. Quando o Cleber viu que tinha sido o único a mostrar o um com o dedo, saiu correndo imediatamente, enquanto começamos a jogar as pedras nele, pegando mais no chão. Conforme ele se afastava no longo corredor, mais fortes eram os arremessos, o que, devido a nossa falta de coordenação devido a pouca idade, mais alto eram lançadas, até que...
_ Ai! Ai! Ai! Tá doendo! – Começou a berrar o Cleber, com a mão na testa.
Todos travamos, como que acordando do que havíamos feito sem pensar. Com os gritos, a professora, dona Eleonor, veio correndo.
_ O que está acontecendo aqui? O que houve com sua cabeça, Cleber?
_ Eles jogaram pedras em mim, tia. – E mostrou a testa, vermelha e com um grande galo.
_ Onde vocês estavam com a cabeça? Vão já para a diretoria enquanto levo o Cleber pra colocar gelo nessa testa.
Fomos para a direção, ainda sem acreditar no que havia acontecido. Mesmo o Tomás estava assustado, pois, apesar de ter dado a ideia, não pensou que aquilo pudesse machucar alguém.
Nossos pais foram chamados e tivemos que tentar explicar o porquê daquilo, o que não conseguimos. E quando nos perguntaram quem tinha acertado a pedra, afinal, todos nos olhamos, inclusive o Cleber, sem saber que resposta dar. Realmente, não nos lembrávamos, e mesmo tempos depois, essa resposta desapareceu da cabeça de todos nós.

Depois da pré-escola fomos todos juntos para a mesma escola. Era uma escola pequena, com um pátio não muito espaçoso e uma cantina que vendia um pouco de tudo que era gostoso: salgadinhos, balas, refrigerantes, salgados, cachorro quente... só não vendia goma de mascar, para não colarmos embaixo das carteiras no meio da aula. Para que as garrafas de refrigerante não ficassem espalhadas pelo pátio, a cantina incentivava com balas quem as recolhessem: a cada cinco garrafas, davam uma bala. Bala, naquela época, era a moeda local da escola. Tudo se conseguia com ela.
_ Copia a lição pra mim?
_ Quantas balas eu ganho?
Ou mesmo:
_ Se você me dar uma bala eu deixo você brincar com o meu soldadinho no intervalo.
Como ter bala representava poder, resolvemos, os cinco, montar uma máfia da bala. Decidimos todos os dias nos espalhar pelo pátio e recolher o maior número possível de garrafas, trocando-as pelo nosso objeto de desejo, e para ajudar, recrutávamos os alunos mais novos.
_ Se vocês nos ajudarem a pegar garrafas, no final do intervalo a gente paga vocês com balas.
E eles aceitavam, já que, para evitar acidentes, os mais novos não entravam na proposta da troca com a cantina, não os incentivando a ficar andando pelo pátio carregando garrafas. Isso resultava num montante de cerca de dez balas ao final do intervalo, enquanto que, se fosse apenas nós cinco, não conseguiríamos nem metade.
Um amigo da nossa sala, o Mario, resolveu ajudar, e ele era muito bom, tendo um plano tonto mas funcional.
_ Seu Josias, trouxe algumas garrafas. Onde coloco?
_ Deixa no balcão, Mario, depois eu guardo.
_ Que isso, seu Josias. Pode deixar que eu coloco na caixa.
E assim ia o Mario, anunciando as garrafas que ia trazendo direto para a caixa e ganhando as balas, só que ao invés de a cada cinco garrafas, o Mario ganhava uma a cada três.
_ Aqui. Três garrafas, seu Josias... – E colocava dentro da caixa. Tirava duas, fingia que as pegava do chão, colocando-as na caixa de novo. - ... e mais duas. Manda uma bala aí.
O seu Josias, naquela correria e gritaria da molecada, acabava por nem perceber o golpe, o que nos rendia muitas balas. Como o Mario não era muito a fim de balas, ele trocava por outros favores: seu nome nos trabalhos escolares. Era uma ótima troca, para os dois lados.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Aos Meus Amigos - 9

(Se não leu desde o início, aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Em frente à casa do André tinha uma casa bem velha que pertencia ao pai dele, tio Ernesto. Era uma dessas casas que não tem forro no teto nem nada, e servia de quartinho para guardar coisas diversas: ferramentas, latas de tinta, telhas, tijolos e demais entulhos que vão se acumulando ao longo do ano. Adorávamos ir lá para fuçar nas coisas velhas, assim como adorávamos subir no telhado só por diversão, mas sabíamos que o tio Ernesto não gostava.
Certa vez estávamos mexendo nas velharias e encontramos uma vitrola bem antiga, já estragada.
_ Tive uma ideia. – Disse o João. – André, você tem algum disco na sua casa que ninguém ouve mais?
_ Ah! Deve ter um lá da minha mãe. Nunca a vi escutar alguns daqueles discos.
_ Pega um lá, mas um desses que, se estragar, ela não vá sentir falta.
E lá foi o André, correndo para atravessar a rua e pegar o disco de vinil. Apareceu pouco tempo depois, com um de um cantor que nunca ouvimos falar, mas que parecia bem antigo. Estava até empoeirado.
_ Tira uma folha daquele calendário do ano passado pendurado na parede, Manezinho. Leo, procura uma agulha nas caixas de costura da tia Josefa.
Fizemos o que o João pediu rapidamente, pois estávamos todos curiosos para saber no que daria aquilo. O João pegou a folha do calendário, que era grande, e a enrolou, deixando um lado fino e o outro grosso, como um cone. Pegou a agulha e a atravessou bem na ponta do cone, no lado fino. Colocou o disco na vitrola e encostou a ponta da agulha no disco enquanto segurava o cone.
_ Vi isso num programa de tv esses dias.
E, bem devagar, começou a rodar com o próprio dedo o disco. Todos imaginavam o que aconteceria, mas foi uma surpresa ver que aquilo realmente havia funcionado: ouvimos o disco tocar, bem baixinho, sem ter caixinhas de som ou eletricidade. O difícil era manter a velocidade para a música soar certinha, mas ficávamos nos revezando para ver quem conseguia tocar uma música certa a maior parte do tempo.

_ Seu pai ainda vai demorar para chegar, André? – Perguntei.
_ Não sei. Por quê?
_ Ah! É que se ele fosse demorar a gente podia subir no telhado.
_ Ué! Vamos subir. Se ele chegar a gente diz que tá trocando umas telhas quebradas para não gotejar dentro de casa.
_ Boa ideia! – Concordamos todos.
A subida era tranquila para nós. Subíamos no tanque de lavar que ficava no fundo e dávamos um pequeno impulso para subir no muro. De lá, era só passar para o telhado.
Subimos e nos sentamos na parte mais alta, onde ficamos admirando a vista da cidade.
_ É massa a vista daqui, né? – Disse o manezinho.
_ Eu não me canso de subir para olhar. – Respondeu o André.
_ Certeza que não vai dar rolo se seu pai chegar? – Perguntei, não querendo ir embora pra casa de castigo antes do fim de semana acabar.
_ Se a gente fingir que realmente tá trocando telha, não.
_ Vamos ver se tem telha quebrada então. Assim nossa história fica mais convincente. – Sugeriu o João.
E assim o fizemos. Nos espalhamos pelo telhado procurando por telhas quebradas, mas nada de achar.
_ E agora? – Perguntou Manezinho.
_ É fácil. É só a gente quebrar algumas.
A ideia do André era ótima, mais uma vez, e começamos a bater com o pé nas telhas para que elas se partissem.
_ Quebrei uma. – Gritou o João.
_ Eu também. – Anunciou o Manezinho.
_ E como tá aí, André? – Perguntei.
_ Essa bosta não quebra. Que merda!
Do jeito que o André terminou de falar, com raiva, deu um pulo com os dois pés sobre a telha, que espatifou de imediato, abrindo um buraco no telhado por onde escorregou o corpo do André. No susto, e na tentativa de se segurar, ele abriu os braços, mas de nada adiantou: foi para baixo. Como a casa não tinha forro, ele foi direto para o chão, caindo de costas sobre uma lata de tinta. Nossa reação foi imediata:
_ Hahahahahahahahahahahaha!!! – Rolávamos no telhado de tanto dar risada, até que vimos o André pular a janela, chorando, com a mão nas costas e correndo para a casa dele.
_ Ih! Acho que é sério. – Falei.
_ Vamos lá ver se está tudo bem. – Disse o João, já procurando descer do telhado.
Corremos até a casa do André e vimos que ele estava no banheiro, com a porta trancada e o chuveiro aberto.
_ Tá tudo bem, André? – Perguntou Manezinho.
Ouvimos a porta do banheiro ser destrancada e entramos rapidinho. Lá estava o André, com cara de choro, as costas roxas e a lateral do corpo e embaixo dos braços todo ralado.
_ Meus pais não podem saber disso. – Disse ele.
Não sabíamos o que fazer, mas sabíamos que seria difícil esconder aquilo.
_ Vou falar que caí de bicicleta.
Um pouco depois aparece a tia Josefa, e o André ainda no banheiro.
_ Cadê o André?
_ Tá tomando banho, tia.
_ Tomando banho a essa hora? Vocês devem ter aprontado alguma. André! Abre essa porta, agora!
O André tentou convencer sua mãe a não entrar, mas não adiantou. Ela bateu e gritou tanto que ele acabou abrindo.
_ O QUE QUE ACONTECEU?!?!?
_ Cai de bicicleta, mãe...
_ Bicicleta nada! Conta o que houve.
O André tentou inventar as mais diversas histórias, mas nada da tia Josefa se convencer. O tio Ernesto chegou. Ele era bem calmo, mas só por fora, e todos tínhamos medo dele. A tia Josefa falou com o tio Ernesto e, enquanto o André se trocava e a mãe dele passava uns medicamentos nos ralados, o tio Ernesto colocou nós três sentados na sala.
_ Vou perguntar uma vez só e não quero mentiras. O que aconteceu?
Olhamos um para o outro, sem saber o que falar e em pânico, até que o Manezinho começou:
_ Ele caiu do telhado, tio.
_ É. A gente tava trocando telhas quebradas e uma delas quebrou onde o André pisou. Aí foi para o chão. – Tentei complementar.
_ Não tinha telha quebrada lá. Eu mesmo troquei não faz uma semana. Eu quero a verdade.
_ Tio. – Falou o João, enchendo os olhos de lágrimas. – A gente queria subir no telhado pra ver a cidade, e ... – contou toda a história. Todos nós chorávamos enquanto ele falava.
_ Josefa. Vamos levar o André para o hospital. E liga para os pais desses meninos e conta o que aconteceu. Mesmo que esteja tudo bem, ninguém vai dormir aqui hoje. 
O André passou por nós com ar de choro e dor, nos olhando sem saber o que dizer, e foi para o carro, em direção ao hospital. Minha mãe e o tio Mané mandaram a gente pegar as bicicletas e irmos para casa, o que fizemos bem tristes. O fim de semana havia acabado mais cedo para nós, mas nada de grave tinha acontecido ao André...