quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 8

(Não leu do início? Então aproveite, em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Mas não era só na casa da vó Cotinha que nos reuníamos aos fins de semana. Vez ou outra pedíamos para nossos pais deixarem a gente dormir na casa do André também, pois tinha uns lugares legais para brincarmos por ali, assim como uns amigos bacanas.
Algumas de nossas brincadeiras preferidas eram brincar de pega-pega na carroceria do caminhão de gado do pai dele, quando ele não estava fazendo viagens; esconde-esconde na rua quando anoitecia; brincar em construção, o que sempre acabava destruindo algo e saiamos correndo antes que alguém visse; jogar taco, ou bétia, como chamávamos; subir no telhado para vermos a cidade; e jogar bola na rua, usando o portão de uma oficina como gol. Nesta última, o barulhão que fazia a cada bolada no portão de ferro deixava os vizinhos loucos, e sempre tínhamos que parar de chutar a bola nele por reclamação, então montávamos golzinhos com tijolos na rua mesmo.
Numa dessas vezes em que jogávamos bola com os golzinhos aconteceu um acidente engraçado: estávamos divididos em dois times com quatro moleques em cada lado. Os quatro primos não estavam no mesmo time, tendo sido divididos na formação dos times pelo par ou impar. No meu time estavam o Manezinho, o Sabugo e o Jonatan. No outro, o André, o João, o Otávio e o Silvinho.
O jogo começou, de modo que o Manezinho e eu nos preocupávamos com o Silvinho, que era o mais velho e muito bom de bola. Pedi para o Jonatan, que era mais gordinho e não aguentava correr muito, que ficasse mais recuado junto comigo, enquanto o Sabugo, que era mais alto, e o Manezinho ficariam à frente.
A bola começou com a gente, e logo que o Sabugo tocou para o Manezinho o Silvinho já veio e a roubou. Jonatan e eu nos movimentamos para tentar evitar seu avanço, mas o Silvinho já deu um drible no Jonatan e foi em direção ao gol. Dei o bote, mas não adiantou: levei uma canetada entre as pernas e a bola foi rolando, devagarinho, para dentro do gol. Um a zero para eles.
Nova saída de bola para nós, e dessa vez ficamos mais espertos. O Sabugo tocou a bola para mim, atrás, e, quando o Silvinho veio, tabelei com o Jonatan e passei a bola para o Manezinho que, antes da chegada do André, já tocou alto para o Sabugo, lá na frente. O João tentou intervir, mas como o Sabugo era mais alto conseguiu dominar e passar por ele, marcando nosso gol. Tudo igual.
Na saída de bola deles decidimos marcar forte: o Jonatan ficaria bem recuado enquanto o Sabugo marcaria o Silvinho, Manezinho o André, e eu o João, ficando apenas o Otávio sem marcação, já que era o menos esperto de todos. Logo que a bola rolou o Sabugo foi para cima do Silvinho, que estava com a bola, e este passou por ele com dificuldades, o que permitiu ao Manezinho aproveitar a chance, sair da marcação do André, e tirar a bola dele. O problema é que o André foi atrás do Manezinho, e o Sabugo tentou pegar a bola de volta, havendo um choque entre os três que fez com que o Manezinho caísse no chão, de barriga para baixo entre a guia da calçada e a sarjeta. Na tentativa de ajudar, o Jonatan veio correndo com tudo, trombando no André e empurrando o Silvinho, só que, por acidente, pisou na bunda do Manezinho.
_ Aiiiiiiiii!!!!!! – Gritou o Manezinho, que, na hora, se levantou e saiu correndo para dentro da casa do André.
Todos nós paramos o jogo e ficamos olhando um para o outro, sem entender direito, até que o João, o André e eu corremos para dentro para ver o que tinha acontecido.
_ Que aconteceu, Manezinho? – Perguntou o André ao empurrar a porta do banheiro onde ele estava.
_ Caraio! Tá ardendo! Tá ardendo!
Quando a gente olha, tá o Manezinho com o pinto de fora perto da pia, jogando água na cabeça do pau.
_ Olha aqui! Tá ralado. E tá ardendo pra cacete.
Olhamos e vimos a cabeça do pau dele esfolada com o pisão do Jonatan. Não aguentamos e caímos na risada. E para irmos pra fora contar para os outros foi rapidinho.
Tempo depois aparece o Manezinho na rua, meio que com cara de choro mas um leve sorriso no rosto, sem graça.
_ Hahahahaha! Pinto ralado! – Gritou o Silvinho.
E todo mundo, até o Manezinho, caiu na risada...

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 7

(Não leu desde o início? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )

Outra coisa que o tio Mané adorava fazer e sempre nos levava juntos era para o futebol. Não jogávamos com ele, claro, mas como sempre ia para um lugar fora da cidade por fazer parte do time de onde trabalhava, era sempre a oportunidade de uma nova aventura para nós quatro.
_ O jogo vai ser no sítio do seu Ditinho. É o nosso time contra o da Vila Alta. Querem ir?
Era claro que queríamos, ainda mais num sítio, onde poderíamos brincar em qualquer lugar.
O tio Mané tinha um carro bem velho, embora conservado, daqueles que a lataria era bem dura. Um carro próprio de colecionadores. Chamávamos ele de Poizé, e parece que ele era do início do século, quando era difícil se ter um carro. Muitas vezes dávamos voltas pela cidade todos pendurados no capô do Poizé, mas é claro que para ir ao sítio do seu Ditinho teríamos que ir dentro, a não ser quando faltava pouco para chegar ao local do jogo, que o tio Mané nos deixava subir nele e ia buzinando, fazendo a maior farra enquanto abanávamos os braços para todos olharem.
A Vila Alta era conhecida por ter muito maloqueiro, e eles levaram uma torcida em que chegaram todos pendurados num caminhão de boi. Ficamos um pouco intimidados com uns moleques mal encarados que estavam nele, mas isso não nos impediria de nos divertirmos.
_ Não vão muito longe, heim? Logo que o jogo acabar nós vamos embora.
_ Pode deixar, pai. Só vamos brincar no mato aqui em volta.
Sempre gostamos de brincar no mato. Imaginávamos que estávamos em cenas de guerra, ou perdidos num lugar do qual teríamos que se virar para sobreviver. Muitas vezes o André sugeria o chamado Treinamento de Guerra, onde ele ia na frente fazendo desafios dos quais teríamos que imitar, tipo subir em árvores difíceis ou pular por valas de rio sem cair.
_ Agora todo mundo tem que se rastejar, se não raspa as costas no arame farpado! – Ordenava ele, como se houvesse um cenário inimigo. E todos obedeciam, pois sabíamos se tratar de um “treinamento” para nós mesmos.
No meio da brincadeira o André para, quieto, fazendo sinal para pararmos também.
_ Vocês viram aquilo?
_ Não. O que foi, André? – Pergunta o João.
_ Tinha um homem e uma mulher ali, e eu vi os dois se deitando no mato.
_ Vixi! Será que eles vão... – Falou Manezinho, com um sorriso malicioso no rosto.
_ Só tem um jeito de descobrir. Vai! Modo ninja. – Ordenou novamente o André.
Todos nós tiramos a camiseta e a colocamos na cabeça, deixando o espaço por onde se coloca a cabeça sobre os olhos e amarrando as mangas atrás da cabeça, ficando parecendo um ninja. Estávamos todos eufóricos.
O André estava na frente, seguido por João, Manezinho e eu. Nos movimentávamos com bastante cuidado, evitando fazer barulho, até chegarmos próximos de onde André os havia visto. Começamos a ouvir uns barulhos. Eram de respiração ofegante e estalos de beijo. De onde estávamos não víamos nada, mas só de imaginar já começamos a dar risadas contidas.
_ Hi hi hi hi...
_ Quem está aí? – Era a voz do homem.
_ Shiiii! Shiiii!
_ Quem está aí? Apareça!
Vimos a cabeça do cara, sem camiseta, tentando nos localizar, mas nos mantivemos em silêncio.
_ Não é nada. Vem cá, vem... – Agora era a voz da mulher, e vimos uma mão puxar o cara para baixo.
Logo os barulhos recomeçaram. O André não aguentou:
_ APERTA QUE ELA PEIDA! – Gritou.
Nisso o homem e a mulher se levantaram. Ele tentando colocar as calças e ela assustada, com os peitos de fora. Nunca tínhamos visto seios ao vivo daquele jeito, e ficamos loucos com aquilo, mas o momento não nos deixava tempo para aproveitar:
_ Corre, moçada! – Alertou o João, e foi aquela correria.
Acho que corremos uns dez minutos sem parar, dando uma volta enorme de onde estávamos para voltar ao local do jogo. Dávamos muita risada no caminho, excitados e com certo medo ao mesmo tempo. A adrenalina estava a mil.
_ Vocês viram os peitos? Hahahahaha. – Perguntou o André.
_ Nunca vou me esquecer. – Respondi.
_ E se o cara nos viu e reconhecer? – Preocupava-se com um sorriso no rosto o Manezinho.
_ Não esquenta não. Estávamos com o rosto tampado. – Acalmava o João.
Quando nos aproximamos do local do jogo, vimos uma movimentação estranha dos moleques mal encarados da Vila Alta. A alegria deu lugar à preocupação na hora. Um deles veio na nossa direção:
_ Onde vocês estavam?
_ Ali atrás, perto do paiol, brincando. – Respondeu o João.
Vocês não viram um cara de camisa cinza por lá? O cara sumiu e não sabemos onde está.
Quase demos risada ao perceber que era o mesmo cara do mato, mas conseguimos nos segurar.
_ Não vimos não. Estávamos só nós lá.
_ Firmeza, então. Se o virem por aí fala que a gente tá procurando ele.
_ Pode deixar. – Falou o Manezinho, meio que rindo.
Assim que o cara se afastou caímos na risada, tentando relembrar cada detalhe do que cada um viu.
Tempo depois vem o tio Mané, todo suado do jogo de bola.
_ Ah, Molecada! Onde vocês estavam? Eu estava procurando por vocês.
_ A gente tava vendo mulher pelada. Tio. – Respondi, com tom de brincadeira.
_ Até parece que uns pinto mucho que nem vocês vão achar mulher pelada aqui. Vai! Vamos embora que a vó Cotinha deve tá esperando com o café da tarde na mesa.

E lá fomos nós, para mais um café com bolacha de coco da vó depois de mais uma aventura com meus grandes amigos.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 6


Nossos pais haviam nascidos numa fazenda próxima à nossa cidade, na qual o avô Tonico tinha sido administrador. Era uma grande fazenda de café, onde havia uma colônia em que moravam os trabalhadores. Certa vez, o tio Mané decidiu pegar a molecada e levar para conhecer a fazenda, só que iriamos de bicicleta. A ideia era atravessar a fazenda até chegar ao rio represado, o que daria, ida e volta, mais de quarenta quilômetros. Claro que todos topamos.
Saímos bem cedinho num domingo da casa da vó Cotinha. Além do tio Mané e de nós quatro, meu irmão também foi, o que causou certo espanto em todos, pois o negócio dele era ficar na frente da televisão ou com seu toca fitas ouvindo música. Levamos alguns pães com mortadela e garrafas térmicas com água, e assim fomos.
Aproveitamos a maior parte de cidade para evitar pegar muita pista, devido ao perigo dos caminhões. Quando chegamos à pista, praticamente a atravessamos e andamos só um pouco por ela, já caindo numa estrada de terra bem calma.
_ Agora o único perigo são os areiões.- Disse o tio Mané.
Areião era quase sempre a certeza de um tombo de bicicleta. Claro que estávamos acostumados a andar por eles em nossas aventuras, mas meu irmão não muito. O grande segredo para não cair ao passar pelo areião é não travar o guidão da bicicleta, seguindo o movimento imposto pela areia ao pneu, mas isso se não for subida, porque se não fica tão pesado para pedalar que tem que descer e empurrar mesmo.
Em uma descida com partes de areião, o tio Mané avisou:
_ Tomem cuidado em alguns trechos, se não é tombo certo.
_ Lourenço, não trava o guidão da bicicleta não, se não você cai. – Disse o João.
_ Ah, tá! Pode deixar. – Respondeu Lourenço, com certo sarcasmo.
O João e o Lourenço não se davam muito bem, por alguma razão. Meu irmão era mais velho, mas sempre era o João que se dava bem nas brigas, e eles viviam brigando.
Começou a descida e todos passaram pelo primeiro areião, apesar do meu irmão apresentar certa dificuldade.
_ Lourenço, o que te falei?
_ Não enche João!
No Segundo areião chegamos a dar uma enroscada, tendo que diminuir bem para não cair. Meu irmão chegou a ter que por o pé no chão.
_ Tá tudo bem, Lore? – Era como eu chamava meu irmão, por ser um jeito mais fácil de falar quando ainda era bem pequeno.
_ Tá. Só o João que fica enchendo o saco.
No terceiro e maior areião não deu outra: o Lourenço tomou um tombaço, batendo a barriga no guidão e ficando no chão, chorando. Todo mundo parou para acudir, e o tio Mané, ajudando meu irmão a se levantar, perguntou:
_ Lourenço, você não deixou o guidão mole?
_ Não.
_ Por quê? Foi por isso que você caiu.
_ Achei que o João estava zoando comigo, e que cairia se deixasse ele mole.
_ Você tem que confiar mais nas pessoas, Lourenço. Não é porque vocês vivem brigando que ele deseja seu mal. Vamos. Limpa a areia, toma um pouco de água e vamos continuar.
E assim seguimos, deixando Lourenço ir mais à frente junto com o tio Mané enquanto dávamos disfarçadas risadas pelo tombo do meu irmão. Sorte ele não ter se machucado...

_ Foi naquela casa que eu e meus irmãos nascemos. – Apontava o tio Mané para uma casa bem simples, feita principalmente de barro e madeira. – O vô Tonico acordava todo dia bem cedinho pra tirar leite da vaca enquanto a vó Cotinha preparava o café e o pão caseiro assado na hora. Aí acordava a gente, preparava as marmitas, e íamos ajudar o vô na plantação de café.
Era tudo muito simples. Parecia que o tempo tinha parado por ali, apesar de não ter mais pés de café e tantos trabalhadores. Quem se manteve por ali ficou por não ter para onde ir, vivendo das poucas galinhas e hortas que mantinham ao redor da casa, mas o tamanho dos terreiros para secar o café, agora abandonados, impressionava. Eram maiores que quadras de basquete.
_ Vocês estão vendo aquele predinho maior ali? Aquela era a venda da colônia. Uma vez confundiram sua avó com uma assombração. Foi assim...
E o tio Mané contou a história: Certa noite minha avó foi até a venda comprar algo, e havia um grupo de pessoas reunidas, um pouco assustadas, comentando da nova assombração que rondava a região.
_ É uma bola de fogo, flutuando. De tempo em tempo ela se abaixa e rela no chão. Quando flutua de novo, sobe uma língua de fogo da parte do chão onde ela tocou. – Comentou um dos colonos.
Nisso minha avó começou a dar risada.
_ Que é isso, dona Cotinha. Tô falando séria. A senhora não acredita em mim?
_ Acredito sim, seu Albino. Só que isso não é assombração nenhuma. Sou eu. É que como em volta de casa tem muita formiga, toda noite saio com o lampião procurando pelos buracos delas para colocar querosene e por fogo. Aí vendo daqui, parece uma bola de fogo que rela no chão e faz as línguas de fogo. Só isso.
Depois daquele dia, disse o tio Mané, as pessoas passaram a acreditar menos em crendices e procurar explicações melhores sobre as coisas. São grandes as lições que aprendemos com os mais velhos.

Pedalamos muito. Já estávamos cansados e com fome, mas queríamos muito chegar ao rio antes de fazermos uma parada. Não sei que horas era, mas já passava do meio dia quando o avistamos.
_ Olha lá! Chegamos! – Gritou empolgado o André.
Jogamos nossas bicicletas no chão e fomos arrancando as roupas para entrar no rio só de cueca, enquanto o tio Mané tirava os lanches da mochila para podermos comer.
Fizemos guerra de barro, brincamos de briga de galo, competimos quem ficava mais tempo debaixo da água, mas quando pensávamos que passaríamos a tarde ali brincando, o tio Mané gritou:
_ Vem, molecada. Vamos comer que temos que voltar.
_ Mas já, tio? Acabamos de chegar... – Choraminguei.
_ Pois é, Leo. Vocês viram o tempo que demorou para chegarmos. Se ficarmos muito, teremos que pegar a estrada de noite, o que é perigoso. E aqui tem muito mato, podendo vir lobos e outros bichos perigosos.
Ficamos todos tristes, claro, mas não queríamos imaginar alguma onça, lobo ou cobra aparecendo por ali. Saímos da água, quietos, e fomos comer.
_ Que tombão o Lourenço levou, hahahaha. – Provocou o João.
_ Hahahahaha. – Todos rimos, menos o Lourenço e o tio Mané, claro.
_ Para de provocar, João. – Aconselhou tio Mané. – Não quero briga. Só vou dar uma mijada e já volto. Limpem toda sujeira. Não quero nenhum papel por aí.
Assim que o tio Mané saiu, o João voltou a provocar:
_ E ficou chorando que nem menininha.
Os olhos do Lourenço se encheram de lágrimas, e ele começou a ficar vermelho de raiva. Nunca tinha visto meu irmão daquele jeito.
_ Para, João, se não...
_ Se não o que? Você sabe que não pode comigo.
_ Para, João. Deixa meu irmão em paz. O seu pai também falou pra você parar.
_ Mas é verdade. Ele sabe que não pode comigo. – E se aproximou do Lourenço, desafiando.
Meu irmão sempre foi de ficar quieto e sair de perto quando o João mexia com ele, mas naquele dia parecia que algo tinha mudado. Lourenço se levantou para encarar o João, que estranhou e hesitou um pouco.
_ Que foi? Vai querer brigar comigo? – Falou o João, mas não mais tão confiante. Manezinho, André e eu também estávamos surpresos, assistindo sem conseguir acreditar.
_ Eu posso bater em você. – Disse Lourenço, bem baixinho.
_ O que você disse? – Perguntou João, sem acreditar no que tinha ouvido.
_ Eu posso bater em você! – Repetiu Lourenço, já mais alto e com os olhos vermelhos pelo choro e raiva.
Nisso o João começou a recuar, e Lourenço foi para cima. João tentou dar um soco no Lourenço, mas errou, e nisso Lourenço deu um soco no nariz do João, que começou a chorar quando percebeu o sangue que descia.
_ Que tá acontecendo aqui? – Era o tio Mané.
_ O Lourenço bateu no João, pai.
_ Mas foi o João que começou, tio. – Defendi meu irmão, e o André ficou do meu lado.
Tio Mané tirou um lenço de pano do bolso e colocou sobre o nariz do filho.
_ Deita um pouco e coloca a cabeça para trás. Manezinho, pega a garrafa de água para o pai.
Manezinho trouxe a água, e o tio Mané derramava de pouco em pouco sobre a testa do João.
_ Já vai passar João. Não foi nada.
_ E o Lourenço, pai, o que o senhor vai fazer?
_ Nada filho. Você mereceu e sabe disso. E já está na hora de vocês pararem de brigar. 
Depois daquilo arrumamos as coisas para voltarmos. Todos estavam muito quietos, e na volta toda não saí do lado do meu irmão. O percurso todo foi cansativo e demorado. O clima voltou ao normal depois de um tempo, permitindo até brincadeiras entre Lourenço e João, e todos nos divertimos muito. E depois daquele dia, nunca mais o João mexeu com o meu irmão, e nunca mais brigaram.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 5

(Não acompanhou desde o começo? Então aproveite 

O tio Mané adorava pescar. Vez por outra nos levava à beira do rio nos fins de semana para pescarmos traíra ou arrumava um barco a remo para pescarmos corvina no meio do rio. Mas a diversão mesmo era quando ele organizava os acampamentos.
Íamos para uma fazenda de uma conhecida dele numa cidade vizinha, à beira do rio represado. Não tinha energia elétrica, banheiro ou qualquer tipo de luxo. Éramos nós e a natureza. A barraca era uma lona de caminhão estendida sobre uma armação de madeira que montávamos ao chegar. Às vezes dormíamos em redes estendidas entre as árvores também, mas só quando estava muito calor. Geralmente íamos o vô Tonico, o tio Mané com os dois filhos, o André, depois que perdeu o medo do escuro, meu pai, eu e às vezes meu irmão. De vez em quando ia algum amigo do tio Mané também.
Além de pescar, sempre tinha alguns afazeres, como buscar lenha para a fogueira e recolher o lixo para não deixar nada espalhado pela natureza. Nunca levávamos gelo, de modo que as bebidas eram mantidas frescas deixando dentro da água do rio, presas a uma cordinha. Para as necessidades tínhamos que nos afastar, abrir um buraco com a enxada e depois tapar tudo certinho. À noite costumávamos queimar bosta de vaca seca para espantar os pernilongos, que eram muitos. Em volta da fogueira contávamos histórias de terror e piadas, onde todos participavam. Numa das noites, o tio Mané propôs um campeonato de peidos: quem desse o peido mais alto ganhava. Todos se esforçavam muito, saindo alguns caprichados, mas o vencedor foi meu pai. O duro foi que acabou melando a cueca na brincadeira. No dia seguinte era aquela tiração de sarro ao ver a cueca dele pendurada na corda improvisada de varal.
Num dos lugares onde armamos o acampamento estava com um cheiro muito forte de carniça, e começamos a procurar de onde vinha. Logo encontramos um burro morto, dentro de um buraco.
_ Francisco, vamos tirar gasolina do carro e tacar fogo nesse burro. – Disse o tio Mané ao meu pai.
_ Não sei não! Acho que não vai prestar. É melhor mudar o acampamento. – Foi o conselho dado pelo vô Tonico.
_ Que isso, pai. É só tacar fogo que logo o cheiro passa.
O vô Tonico tinha razão, era melhor ter mudado de acampamento. O burro ficou queimando a noite toda, de modo que além do cheiro de carniça continuar, ficava um cheiro de queimado horrível, e todo mundo estava incomodado.
Os adultos sempre levavam umas pingas para tomarem durante a noite, enquanto papeávamos ao redor da fogueira, e o tio Mané já estava um pouco pra lá do normal quando anunciou:
_ Vou dar uma cagada.
Era assim mesmo o tio Mané, nunca teve papas na língua, sempre falando muita besteira e palavrões, o que nos divertia muito. E lá foi ele, com a enxada numa mão e o papel higiênico na outra. Foi até um local não muito longe, arriou as calças e começou a cagar. O cheiro da bosta chegou no seu nariz, junto com o cheiro do burro queimado e a cachaça na barriga e na cabeça e não deu outra: começou a vomitar. Conforme vomitava estando de cócoras mais saia merda e mais forte ficava o cheiro, vomitando mais. Era um ciclo. Tempo depois vem o tio Mané, abatido.
_ É! Acho que vou dormir...
_ Que aconteceu, Mané? – Pergunta meu pai.
_ O cheiro do burro entrou na minha merda e não aguentei o cheiro e vomitei um monte.
Foi só risada de todos.

A noite seguinte estava linda. Uma lua cheia num céu estrelado refletindo na água do rio. Já não tinha mais cheiro de burro e havíamos pegado alguns tucunarés, que assávamos na fogueira.
_ Tá precisando de mais lenha, Leo. Vão lá buscar.
Um pedido do vô Tonico era sempre uma ordem gostosa de cumprir. João, Manezinho, André e eu já nos levantamos e fomos pegar o lampião para procurar lenha. O Manezinho carregava o lampião, o João levava um facão e o André e eu recolhíamos gravetos do chão enquanto procurávamos madeiras secas maiores.
_ Será que tem mesmo lobisomem por aqui? – Era a preocupação do Manezinho, referindo-se às histórias que meu pai havia contado na noite anterior.
_ Deixa disso, Manezinho. O tio Francisco só contou uma história. – Procurou acalmar João.
_ Mas e se tiver? – Insistia Manezinho, que era o mais novo de nós.
_ Aí a gente taca pedra nele e usa o facão. Depois sai correndo. – Era o plano do André, tão confiante.
Para quem não conhece, o lampião a gás tem uma redinha chamada camisinha para conter o gás incandescente e iluminar, e é bem comum a camisinha pegar fogo se estiver mal colocada. Caminhamos pela mata, todos em silêncio, pensativos quanto às nossas reações no caso de aparecer um lobisomem. De repente, um barulho vindo do mato.
_ Que isso?
_ Você jogou alguma coisa lá, André? – O André era cheio de assustar a gente.
_ Eu não. Juro.
_ Vai iluminando que vou dar uma olhada, Manezinho.
E lá foi o João, à frente com o facão seguido de Manezinho com o lampião. O André e eu nos preparávamos para algo com pedras e paus nas mãos. De repente, a camisinha do lampião pega fogo, e ouve-se mais uma vez um barulho do mato. João grita:
_ Corre, gente, que eu vi um negócio peludo!
Foi aquela gritaria e correria em direção ao acampamento, deixando para trás as madeiras e o próprio lampião. Antes de chegarmos ao acampamento, meu pai, meu irmão, tio Mané e o vô Tonico já vinham em nossa direção, assustados.
_ Que foi? Alguma cobra?
_ Não. Tinha um negócio peludo no mato atrás de nós. – Disse o João.
_ Vocês viram coisas, seus medrosos. – Falou meu irmão, que não era muito de ficar com a gente,
_ Medrosos, é? Vai lá então! Todos nós vimos o bicho. – Falei.
_ Será que era o lobisomem, tio Francisco? – Perguntou assustado o Manezinho.
_ Isso não existe, Manezinho. Foi só uma história que inventei. Cadê o lampião que estava com vocês?
_ Eu deixei cair no chão lá atrás.
_ Tomara que não tenha quebrado o vidro, e deve estar vazando todo o gás. Vamos lá buscar, pai. – Disse o tio Mané.
Todos fomos atrás deles, morrendo de medo. Até meu irmão, que havia desconfiado, estava um pouco assustado. Chegando ao local, tio Mané pegou o lampião e desligou o gás, vendo que o vidro estava inteiro. Nisso, o vô Tonico foi andando mais à frente, em direção ao mato, apontando a lanterna à bateria.
_ Olha lá, todo mundo, mas vem em silêncio.
E lá estava o nosso bicho peludo, quieto e assustado no mato: uma linda capivara com alguns filhotinhos...

Quando voltamos para casa estávamos todos animados, cheio de histórias para contar.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 4

(Não deixe de ler desde a Introdução em: http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html)


Numa das vezes em que havia circo no Terreno do Circo decidimos ir. Era um domingo à tarde, por volta das 15 horas, mas como condição para nos deixarem ir teríamos que levar o Ivan junto. O Ivan era sobrinho do André, filho de sua irmã Inês. Além do André e da Inês, a tia Josefa tinha um filho do meio, o Rodolfo.
O Ivan era seis anos mais novo do que eu, e era muito chorão. Não gostávamos de brincar com ele por conta disso, mas naquela tarde, se quiséssemos ir ao circo, teríamos que leva-lo.
Ao chegar à bilheteria uma mulher que trabalhava no circo nos fez uma proposta: como estavam com falta de funcionários, se aceitávamos trabalhar de vendedores nas arquibancadas em troca da entrada mais o valor do ingresso em dinheiro no final da sessão. Claro que topamos, e combinamos que o Ivan ficaria sentado na arquibancada enquanto isso, assistindo as apresentações, e que ficaríamos todos de olho nele.
Eu peguei uma bandeja de maça do amor. O André pegou uma bandeja com saquinhos de pipoca. O manezinho ficou com o churros e o João com a batata frita. E assim fomos à labuta, nos espalhando pela arquibancada oferecendo os produtos.
O circo era muito ruim. Uma imitação dos apresentadores da TV com joguinhos e brincadeiras com as crianças feitas por um palhaço mal maquiado e sem graça. Não tinha malabarista, trapezista, equilibrista, mágico e nem nada de um circo de verdade, e, claro, estava bem vazio. Dessa forma, quem compraria nossos produtos?
A solução foi facilmente encontrada: nos revezamos para passar em frente ao Ivan, sempre o convencendo a comprar alguma coisa, mas não demorou para que se enchesse de doces e frituras e seu dinheiro acabasse. Então precisávamos de uma nova estratégia.
_ E se começássemos a comprar um do outro? – Sugeriu o João.
E assim fomos, fingindo que oferecíamos ou estávamos realmente interessados em algo:
_ Vai uma maça do amor aí, chefe?
_ Claro que sim. E por acaso não gostaria de uma pipoca?
_ Humm... deu uma vontade de um churros. Ei, moço! Manda um churros com calda de doce de leite, por favor.
_ Aqui está. E essas batatas parecem ótimas. Manda uma pra cá.
Quando acabou a apresentação fomos prestar contas das vendas. Havíamos ido com algum dinheiro para a entrada e para comprar coisas. Como não pagamos a entrada, tínhamos mais dinheiro para os doces e salgados, e gastamos todo ele. Não éramos tão burros para gastarmos o dinheiro das vendas, o que permitiu fechar a conta direitinho, mas quando recebemos o valor dos ingressos pelo serviço prestado não tivemos dúvida:
_ Ah! Aproveita então e me vê mais um churros e uma batata.
_ Eu quero uma maça do amor e uma pipoca.
_ Eu também vou comprar alguma coisa...

E assim voltamos para casa dos nossos avós, sem ter pagado para entrar no circo, trabalhado, e ainda assim sem um tostão no bolso. Mas a barriga cheia de doces. O duro foi ter que comer o prato de macarronada que nossos pais nos obrigaram na hora da janta, se não ficaríamos de castigo, de novo...