quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Aos Meus Amigos - 6


Nossos pais haviam nascidos numa fazenda próxima à nossa cidade, na qual o avô Tonico tinha sido administrador. Era uma grande fazenda de café, onde havia uma colônia em que moravam os trabalhadores. Certa vez, o tio Mané decidiu pegar a molecada e levar para conhecer a fazenda, só que iriamos de bicicleta. A ideia era atravessar a fazenda até chegar ao rio represado, o que daria, ida e volta, mais de quarenta quilômetros. Claro que todos topamos.
Saímos bem cedinho num domingo da casa da vó Cotinha. Além do tio Mané e de nós quatro, meu irmão também foi, o que causou certo espanto em todos, pois o negócio dele era ficar na frente da televisão ou com seu toca fitas ouvindo música. Levamos alguns pães com mortadela e garrafas térmicas com água, e assim fomos.
Aproveitamos a maior parte de cidade para evitar pegar muita pista, devido ao perigo dos caminhões. Quando chegamos à pista, praticamente a atravessamos e andamos só um pouco por ela, já caindo numa estrada de terra bem calma.
_ Agora o único perigo são os areiões.- Disse o tio Mané.
Areião era quase sempre a certeza de um tombo de bicicleta. Claro que estávamos acostumados a andar por eles em nossas aventuras, mas meu irmão não muito. O grande segredo para não cair ao passar pelo areião é não travar o guidão da bicicleta, seguindo o movimento imposto pela areia ao pneu, mas isso se não for subida, porque se não fica tão pesado para pedalar que tem que descer e empurrar mesmo.
Em uma descida com partes de areião, o tio Mané avisou:
_ Tomem cuidado em alguns trechos, se não é tombo certo.
_ Lourenço, não trava o guidão da bicicleta não, se não você cai. – Disse o João.
_ Ah, tá! Pode deixar. – Respondeu Lourenço, com certo sarcasmo.
O João e o Lourenço não se davam muito bem, por alguma razão. Meu irmão era mais velho, mas sempre era o João que se dava bem nas brigas, e eles viviam brigando.
Começou a descida e todos passaram pelo primeiro areião, apesar do meu irmão apresentar certa dificuldade.
_ Lourenço, o que te falei?
_ Não enche João!
No Segundo areião chegamos a dar uma enroscada, tendo que diminuir bem para não cair. Meu irmão chegou a ter que por o pé no chão.
_ Tá tudo bem, Lore? – Era como eu chamava meu irmão, por ser um jeito mais fácil de falar quando ainda era bem pequeno.
_ Tá. Só o João que fica enchendo o saco.
No terceiro e maior areião não deu outra: o Lourenço tomou um tombaço, batendo a barriga no guidão e ficando no chão, chorando. Todo mundo parou para acudir, e o tio Mané, ajudando meu irmão a se levantar, perguntou:
_ Lourenço, você não deixou o guidão mole?
_ Não.
_ Por quê? Foi por isso que você caiu.
_ Achei que o João estava zoando comigo, e que cairia se deixasse ele mole.
_ Você tem que confiar mais nas pessoas, Lourenço. Não é porque vocês vivem brigando que ele deseja seu mal. Vamos. Limpa a areia, toma um pouco de água e vamos continuar.
E assim seguimos, deixando Lourenço ir mais à frente junto com o tio Mané enquanto dávamos disfarçadas risadas pelo tombo do meu irmão. Sorte ele não ter se machucado...

_ Foi naquela casa que eu e meus irmãos nascemos. – Apontava o tio Mané para uma casa bem simples, feita principalmente de barro e madeira. – O vô Tonico acordava todo dia bem cedinho pra tirar leite da vaca enquanto a vó Cotinha preparava o café e o pão caseiro assado na hora. Aí acordava a gente, preparava as marmitas, e íamos ajudar o vô na plantação de café.
Era tudo muito simples. Parecia que o tempo tinha parado por ali, apesar de não ter mais pés de café e tantos trabalhadores. Quem se manteve por ali ficou por não ter para onde ir, vivendo das poucas galinhas e hortas que mantinham ao redor da casa, mas o tamanho dos terreiros para secar o café, agora abandonados, impressionava. Eram maiores que quadras de basquete.
_ Vocês estão vendo aquele predinho maior ali? Aquela era a venda da colônia. Uma vez confundiram sua avó com uma assombração. Foi assim...
E o tio Mané contou a história: Certa noite minha avó foi até a venda comprar algo, e havia um grupo de pessoas reunidas, um pouco assustadas, comentando da nova assombração que rondava a região.
_ É uma bola de fogo, flutuando. De tempo em tempo ela se abaixa e rela no chão. Quando flutua de novo, sobe uma língua de fogo da parte do chão onde ela tocou. – Comentou um dos colonos.
Nisso minha avó começou a dar risada.
_ Que é isso, dona Cotinha. Tô falando séria. A senhora não acredita em mim?
_ Acredito sim, seu Albino. Só que isso não é assombração nenhuma. Sou eu. É que como em volta de casa tem muita formiga, toda noite saio com o lampião procurando pelos buracos delas para colocar querosene e por fogo. Aí vendo daqui, parece uma bola de fogo que rela no chão e faz as línguas de fogo. Só isso.
Depois daquele dia, disse o tio Mané, as pessoas passaram a acreditar menos em crendices e procurar explicações melhores sobre as coisas. São grandes as lições que aprendemos com os mais velhos.

Pedalamos muito. Já estávamos cansados e com fome, mas queríamos muito chegar ao rio antes de fazermos uma parada. Não sei que horas era, mas já passava do meio dia quando o avistamos.
_ Olha lá! Chegamos! – Gritou empolgado o André.
Jogamos nossas bicicletas no chão e fomos arrancando as roupas para entrar no rio só de cueca, enquanto o tio Mané tirava os lanches da mochila para podermos comer.
Fizemos guerra de barro, brincamos de briga de galo, competimos quem ficava mais tempo debaixo da água, mas quando pensávamos que passaríamos a tarde ali brincando, o tio Mané gritou:
_ Vem, molecada. Vamos comer que temos que voltar.
_ Mas já, tio? Acabamos de chegar... – Choraminguei.
_ Pois é, Leo. Vocês viram o tempo que demorou para chegarmos. Se ficarmos muito, teremos que pegar a estrada de noite, o que é perigoso. E aqui tem muito mato, podendo vir lobos e outros bichos perigosos.
Ficamos todos tristes, claro, mas não queríamos imaginar alguma onça, lobo ou cobra aparecendo por ali. Saímos da água, quietos, e fomos comer.
_ Que tombão o Lourenço levou, hahahaha. – Provocou o João.
_ Hahahahaha. – Todos rimos, menos o Lourenço e o tio Mané, claro.
_ Para de provocar, João. – Aconselhou tio Mané. – Não quero briga. Só vou dar uma mijada e já volto. Limpem toda sujeira. Não quero nenhum papel por aí.
Assim que o tio Mané saiu, o João voltou a provocar:
_ E ficou chorando que nem menininha.
Os olhos do Lourenço se encheram de lágrimas, e ele começou a ficar vermelho de raiva. Nunca tinha visto meu irmão daquele jeito.
_ Para, João, se não...
_ Se não o que? Você sabe que não pode comigo.
_ Para, João. Deixa meu irmão em paz. O seu pai também falou pra você parar.
_ Mas é verdade. Ele sabe que não pode comigo. – E se aproximou do Lourenço, desafiando.
Meu irmão sempre foi de ficar quieto e sair de perto quando o João mexia com ele, mas naquele dia parecia que algo tinha mudado. Lourenço se levantou para encarar o João, que estranhou e hesitou um pouco.
_ Que foi? Vai querer brigar comigo? – Falou o João, mas não mais tão confiante. Manezinho, André e eu também estávamos surpresos, assistindo sem conseguir acreditar.
_ Eu posso bater em você. – Disse Lourenço, bem baixinho.
_ O que você disse? – Perguntou João, sem acreditar no que tinha ouvido.
_ Eu posso bater em você! – Repetiu Lourenço, já mais alto e com os olhos vermelhos pelo choro e raiva.
Nisso o João começou a recuar, e Lourenço foi para cima. João tentou dar um soco no Lourenço, mas errou, e nisso Lourenço deu um soco no nariz do João, que começou a chorar quando percebeu o sangue que descia.
_ Que tá acontecendo aqui? – Era o tio Mané.
_ O Lourenço bateu no João, pai.
_ Mas foi o João que começou, tio. – Defendi meu irmão, e o André ficou do meu lado.
Tio Mané tirou um lenço de pano do bolso e colocou sobre o nariz do filho.
_ Deita um pouco e coloca a cabeça para trás. Manezinho, pega a garrafa de água para o pai.
Manezinho trouxe a água, e o tio Mané derramava de pouco em pouco sobre a testa do João.
_ Já vai passar João. Não foi nada.
_ E o Lourenço, pai, o que o senhor vai fazer?
_ Nada filho. Você mereceu e sabe disso. E já está na hora de vocês pararem de brigar. 
Depois daquilo arrumamos as coisas para voltarmos. Todos estavam muito quietos, e na volta toda não saí do lado do meu irmão. O percurso todo foi cansativo e demorado. O clima voltou ao normal depois de um tempo, permitindo até brincadeiras entre Lourenço e João, e todos nos divertimos muito. E depois daquele dia, nunca mais o João mexeu com o meu irmão, e nunca mais brigaram.

2 comentários:

  1. Má será que vc pode referenciar quem é quem??? To ficando perdida......preciso de uma legenda!!!!! Bjss Marcia !

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  2. Oi querida, que legal que está acompanhando as histórias. No entanto a ideia é utilizar experiências reais para criar as histórias, sem que sejam biográficas. Assim se tem liberdade para tal. Embora muitos personagens pareçam pessoas reais, não quero que sejam vistas como tal, então sem legendas, ok? Beijos e continue a ler as aventuras de Leonardo Félix

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