sábado, 19 de setembro de 2015

Aos Meus Amigos - 33 (Parte II)

(Não leu desde o inicio? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


_ Mas já vai sair, Leo? Nem vai ficar um pouco com a gente? – Reclamava minha mãe.
Eu havia chegado a pouco mais de uma hora. Malas desfeitas, ligações realizadas, encontro na casa da vó do Antônio marcado. A turma toda já estava na cidade, de modo que eu tinha sido o último a chegar. Meu irmão já tinha saído para encontrar o Borges, também sob protestos da minha mãe, mas ela não esperava que eu fizesse o mesmo.
_ Deixa ele, querida. Tá com saudade dos amigos. – Disse meu pai, sentado numa poltrona que haviam comprado para que pudesse ficar mais confortável enquanto recuperava de sua doença.
Ele estava mais magro e um tanto pálido. Claro que fiquei preocupado e conversei um tempo com ele, mas insistia em dizer que não era nada de mais e que estava bem. Acreditei, afinal, era meu pai.
_ Amanhã passamos o dia juntos. Pode deixar. Tchau!
E saí às pressas na minha velha bicicleta. Não via a hora de encontrar os amigos.

_ Que isso, Leo? Deixando o cabelo crescer também? – Disse o Jonatan, estranhando meu novo visual. – Vai ficar igual seu irmão daqui a pouco, hahahaha.
_ Vai se foder, Jonatan! – Disse, dando um forte abraço nele.
_ Olha o que está te esperando! – Se aproximou o Antônio com um copo de cerveja.
_ Aí sim! Hahahaha.
Virei o copo e foi a vez de abraça-lo.
Dessa forma fui cumprimentando um a um, de modo que fazíamos comentários sobre o que havia mudado em cada um de nós nesses poucos meses que não nos vimos: O Jonatan estava mais gordo e havia parado de fumar, o que estranhamos, mas ele dizia que estava ficando sem fôlego para qualquer coisa, indo ao médico que o aconselhou deixar o vício. Disse que não estava fácil ficar sem o cigarro mas que estava disposto a parar mesmo; o André, ao contrário, tinha emagrecido e estava um tanto pálido, dizendo que a correria na cidade grande era uma bosta e que pensava muito em voltar. Ficou fazendo comparações das diferenças de cada lugar, salientando sempre a questão do tempo, pois na capital, pra ir da casa do irmão até o cursinho, demorava quase duas horas; o Hugo parecia um nerd, com uma camiseta de faculdade com computadores desenhados e a frase: Eu faço programas. Tinha começado a namorar uma garota de lá e, como ela fumava, ele também tinha começado; o Neuza estava barbudo e começara a usar óculos. Disse que estava legal a faculdade, apesar dos caras com quem morava serem uns babacas e que pensava em morar sozinho; o Mário, o Hélinho e o Antônio que não tinham mudado nada, talvez pelo fato de continuarem a morar em suas casas. Parecia que todos se ajeitavam de alguma forma.
_ E decidiu que curso fazer, Leo? – Perguntou o Hugo, tragando um cigarro.
_ Mais ou menos. – Respondi, ainda estranhando vendo-o fumar.
_ Como assim mais ou menos? – Foi a vez do Helinho perguntar.
_ Tô gostando muito de uma matéria do cursinho, e estou pensando em fazer faculdade dela.
_ Que matéria? – Agora foi o Antônio.
_ Filosofia.
Silêncio. Pareciam não acreditar.
_ Quê?!? – Quebrou o silêncio o Neuza.
_ O que é que tem?
_ Leo, na minha faculdade tem curso de filosofia, e os caras são todos loucos. Ficam fumando maconha o dia inteiro e viajando na maionese. – Explicou seu espanto o Neuza.
_ Na faculdade do meu irmão também tem filosofia. Fui a uma ou outra palestra do curso, e tenho achado bem legal. Os alunos são meio porra loucas mesmo, mas o curso é da hora. E você André? Já pensou em algo? – Tentei me tirar do centro das atenções.
_ Acho que sim. Tô pensando em fazer odonto.
_ É uma área legal. – Falou o Mário.
_ Vi que quero ir pra área da saúde. Até pensei em enfermagem, mas acho que odonto vai ser mais legal.
_ E vai voltar pra cá mesmo? – Quis saber o Jonatan.
_ Vou sim. Terminando o semestre já volto. Isso está decidido.
E continuamos com os papos, cervejas e cigarros. A vó do Antônio não estava lá, o que nos deixou mais à vontade. A noite planejávamos matar a saudade da boate. Era realmente muito bom reencontrar os amigos.

_ Leo! Leo! – Chamava minha mãe. – Acorda filho! Temos que ir almoçar na casa da Rosália. Já está tudo pronto.
_ Tá...
E comecei a levantar, com uma baita dor de cabeça de ressaca. Mal lembrava como havia chegado em casa. Fazia tempo que não bebia daquele jeito. Mas tinha sido massa sair com a molecada.
_ Nossa, Leo! Como você tá diferente! – Disse a Rosália, me abraçando.
_ Vai falar que você também está gostando das mesmas músicas que seu irmão? – Perguntou o Roberto.
_ Rock é vida. – Respondi, abraçando-o.
_ Esse mundo tá perdido... – Brincou ele.
Meu irmão só deu um pequeno sorriso, gostando das minhas palavras.
_ Cadê o Neto?
_ Filho! Vem cá! Seus tios chegaram!
E veio aquele moleque encapetado correndo. Estava enorme. Peguei-o no colo e comecei a jogar para cima, ao som de suas gargalhadas. Estava com quatro anos já.
_ Agora é minha vez! – Já foi pegando-o o Lourenço.
Aperta o moleque daqui; faz cocegas dali; tentativas vãs de fuga e...
_ Buáááááá!!! Quero sair!!!
_ Ah! Seu chorão.
E corre o Neto para os braços da sua mãe.
Almoço servido. Todos à mesa. O Roberto abriu uma garrafa de cerveja e colocou um copo para mim. Minha mãe só olhou mas nada disse. Gostei daquilo.
_ Não vai beber, pai? – Perguntei, estranhando o copo com refrigerante à sua frente.
_ Seu pai tá tomando remédios, Leo. Não pode beber. – Disse minha mãe.
Meu pai só ficou quieto. Percebi que estava triste. Cerveja sempre foi algo que ele gostou muito. Então comecei a reparar que ele estava mais quieto que de costume. Aquilo me preocupou.
Depois do almoço passamos na casa de alguns parentes que há tempos não via: Vô Joaquim e vó Ofélia, que estavam velhinhos mas bem ainda; Tia Matilde, que morava com um namorado, seu Viana, numa casinha pequena; Tio Mané, que estava bem, embora um tanto sozinho, uma vez que o João morava longe e o Manezinho tinha se amigado com uma garota que não era a mãe de seu filho; Por fim, pedi que deixassem a tia Josefa por último, pois de lá já me encontraria com o André para nos juntarmos à turma. O Helinho também estava lá.
Nos encontramos, pra variar, na casa da vó do Antônio, e de lá decidimos ir ao bar do Pescocinho jogar bilhar. O Neuza ficou dizendo que daria uma surra em todos, uma vez que tinha uma mesa na faculdade e que estava jogando muito. Eu, ao contrário, não tinha jogado desde que fui morar com meu irmão. Chegando lá, estranhamos o local: o bar tinha sido reformado, tendo novo balcão, novas mesas e cadeiras, sem os fliperamas e apenas uma mesa de bilhar, maior e com pano vermelho. O Pescocinho não estava atrás do balcão, e sim um rapaz bem mais novo.
_ O Pescocinho não está? – Perguntou o Hugo.
_ Pescocinho? – Disse o cara. – Ah! O antigo dono? Se aposentou. A família o encontrou desmaiado no bar um dia desses de tanto beber e decidiram que ele deveria vender o bar. Ai eu o comprei e dei um trato. Ficou bem melhor, não acham?
Ficamos um tempo quietos.
_ E quanto tá a ficha do bilhar? – Quis saber o André.
_ Não é ficha não. Vocês pagam por hora. E essa mesa é show.
E nos disse o valor.
Ficamos um tempo quietos novamente.
_ E então? Quantas horas vão jogar?
Sem nem precisar perguntar para os outros, o Mário já deu a resposta que queríamos:
_ Nenhuma não. Muito caro. Valeu.
E saímos, ficando perdidos de onde ir.
_ Vocês não sabiam do Pescocinho? – Perguntei ao Helinho e o Antônio.
_ Não. A gente não veio mais aqui. Sem vocês não é a mesma coisa. – Respondeu o Helinho.
_ Bem, vamos ter que achar outro boteco...
E saímos andando, meio que sem rumo, até voltarmos para a casa da vó do Antônio.

Só ficar longe alguns meses e muita coisa havia mudado. Pelo menos estava com os amigos. E ainda tinha aquela noite e o sábado todo junto deles. O jeito era aproveitar.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Aos Meus Amigos - 32 (Parte II)

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Morar na cidade que meu irmão estudava estava legal, mas bem diferente do que eu achava que seria. O ritmo de festas e baladas prometidos quando eu cheguei não era exatamente daquela forma, pois nossos horários e compromissos nunca batiam. O Lourenço, o Rodrigo e o Fabrício entravam cerca de duas horas mais tarde em suas aulas, e ficavam o dia todo na faculdade, frequentando festas em repúblicas que arrumavam na hora, indo direto da faculdade e só chegando por volta das três da manhã. Como não tínhamos telefone na casa não tinha como avisar, e eu ficava de fora na maioria das vezes.
Já meus compromissos se resumiam em acordar por volta das 5:45 da manhã, preparar um leite com chocolate e um pão com manteiga, pegar minha bicicleta e pedalar cerca de vinte minutos até o cursinho. Almoçava sozinho, geralmente arroz com ovo ou macarronada, e, depois de uma cochilada até as duas, estudava a tarde inteira, assistindo televisão ou lendo quadrinhos à noite. Nos fins de semana que saia com eles, isso quando não estavam cansados pelas farras da semana, mas diziam que fim de semana nem se comparava com farras de meio de semana, pois muita gente voltava para suas cidades e as repúblicas e os barzinhos ficavam mais vazios de estudantes.
Quanto ao cursinho eu realmente estava levando a sério. As salas de aula eram lotadas, com cerca de cento e cinquenta alunos. Os professores davam aulas com microfone, e não se importavam se algum aluno dormisse ou saísse no meio da aula, de modo que a responsabilidade era totalmente nossa. Apesar disso, não precisava me esforçar tanto para prestar atenção, pois os professores eram muito bons, de modo que nos prendiam de um jeito muito interessante. Um problema era que se você não entendesse algo ficava difícil perguntar com tanto aluno e o distanciamento do professor, mas para esse tipo de problema existiam plantões de dúvidas na parte da tarde, que eu frequentava de vez em quando, principalmente nas matérias de exatas.
Como as salas tinham muitos alunos ficava mais difícil fazer amizades, e ficava mais na minha mesmo. Então comecei a reparar numa menina que sempre estava com camisetas de bandas de rock que eu gostava e cadernos com capas de heróis de quadrinhos que eu estava lendo na república. Ela não era bonita: muito branca e ruiva, com sardas no rosto e mais alta do que eu, mas como os gostos batiam achei que seria legal puxar assunto. Me aproximei:
_ Esse herói é da hora.
_ Você gosta também? Sou muito fã dele. Já li todos os quadrinhos.
_ Eu não li todos, mas os que li gostei muito.
_ E banda de rock? Você curte também? – Perguntou mostrando a camiseta.
_ Pra caramba.
_ Eu sou a Juliana.
_ Leonardo. Prazer.
E ficamos papeando até começar a aula.
Com isso a Juliana passou a ser minha única amiga por um tempo. Por um tempo porque logo expandimos as amizades graças aos gostos em comum também, mas não com os alunos do cursinho. A Juliana tinha me dito de um clube da cidade onde toda quarta tocavam bandas de rock e que lá tinha uma biblioteca com uma sessão só de histórias em quadrinhos, e me convidou para ir, dizendo que conseguiria que eu entrasse pelo fato do seu pai ser um dos diretores. Então passamos a frequentá-lo de terça a sexta à noite, participando de algumas atividades do clube, como as bandas e algumas sessões de filme, e as leituras de quadrinhos, expandindo meus gostos que haviam se iniciado desde as conversas com o Borges e as leituras na república. E nisso tudo conhecemos o Eduardo e o Gilberto, fãs de rock e quadrinhos como nós.
O Eduardo era homossexual , revelando isso para nós apenas depois de um tempo, pedindo para que não contássemos para ninguém pelo fato da sua família não saber e não aceitar, então apenas amigos próximos sabiam. O Gilberto era um baixinho com cara de invocado e amigo do Eduardo desde a infância, sendo um nerd quando o assunto era histórias em quadrinhos, sabendo curiosidade de épocas remotas dos heróis quando ele nem havia nascido ainda.
Com isso, cada vez menos saia com meu irmão e o pessoal da república, e passei a me encontrar todos os dias na parte da tarde com a Juliana para estudarmos juntos. Ela ia até a república e enquanto ela me ajudava nas matérias de exata eu a ajudava na área de humanas. Até que começamos a ficar.

_ Oi mãe. Como estão as coisas aí? – Falava a cobrar por um telefone público.
_ Com muita saudade. De você e do seu irmão. Quando vocês vêm?
_ O Lord tá falando do próximo feriado, daqui a duas semanas.
_ Não chame seu irmão assim. O nome dele é Lourenço.
_ Ah, mãe! Convivendo com ele aqui acabei me acostumando. Sabe se o André vai para o feriado também?
_ Falei com a Josefa e ela acredita que sim. Disse que o André não está se adaptando à capital não, e que está pensando em voltar.
_ Mesmo? Que coisa! E o restante da minha turma, tem visto?
_ Encontrei com o Mário outro dia. Ele te mandou um abração e perguntou se você viria no feriado. Parece que vem sua turma toda.
_ Legal. E o pai, tá por aí?
_ Ela tá, mas está deitado. Não tem se sentido muito bem ultimamente.
_ O que ele tem?
_ O médico disse que é gastrite.
_ Vixi!
_ E você? Tá estudando bastante?
_ Tô sim, mãe. Pode ficar tranquila.
_ Estamos confiando em você, Leo.
_ Pode confiar. Beijos.
_ Beijos.
Aquilo me deixou mais feliz. Rever a turma em duas semanas. Não via a hora. Estava com saudades de uma boa bebedeira, já que com essa turma não fazíamos muito isso. Só eu fumava, o que me levou a diminuir bastante, e beber eles só acompanhavam de leve, o que tirava a graça de um porre.

Nos dias seguintes até o feriado muito estudo, rock ‘n roll e quadrinhos. Além da Juliana, claro.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Aos Meus Amigos - 31 (Parte II)

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As festas de fim de ano já tinham passado, e um novo ano se iniciava. Aquele seria realmente um novo ano, já que nossas vidas todas mudariam, assim como nossa turma se separaria. O clima era de tristeza e euforia. Nos vestibulares apenas o Hugo e o Neuza passaram, sendo que o Hugo faria programação numa faculdade particular a uns 140 quilômetros da nossa cidade e o Neuza tinha passado em comunicação numa estadual bem mais longe. O Mário faria cursinho em outra cidade também, mas continuaria a morar com os pais e viajaria todos os dias num ônibus da prefeitura toda noite. Eu iria para a cidade onde meu irmão estudava em outro estado e o André para a capital do estado com o irmão dele. O Jonatan continuaria com sua jornada diária de trabalhar com o pai e faculdade à noite e o Helinho e o Antônio ainda estavam no colegial.
_ Vai ficar corrido para nos ver. – Disse o Mário. – Mesmo morando aqui ainda, pra passar em medicina vou ter que estudar muito. Mal vou sair.
_ Nem de fim de semana? – Perguntou o Jonatan.
_ Às vezes só. Mas nem sempre. Tenho que estudar muito.
_ E vocês virão sempre pra cá, né? – Perguntou o Antônio para o Neuza, o Hugo, o André e eu.
_ Eu sim, pois não é tão longe. Pelo menos a cada quinze dias eu venho. – Disse o Hugo.
_ Não sei não. Tá um pouco longe para eu vir sempre. Quem sabe uma vez por mês e olhe lá. – Foi a vez do Neuza falar.
_ Com base no tanto que meu irmão vem pra cá, serão poucas vezes no ano. – Eu disse.
_ Dependo do meu irmão também, mas ele vem com mais frequência. – Falou o André.
E ficamos um tempo pensativos, bebendo e fumando nos fundos da casa da vó do Antônio.
O Primeiro a ir embora foi o Hugo. Como a faculdade que faria era particular, suas aulas começariam antes, saindo de nossa cidade num sábado de manhã para que os pais pudessem comprar alguns móveis para ele morar numa república de um pessoal da nossa cidade que já moravam lá. Conhecíamos esse pessoal só de vista, nem sabendo se eram legais ou não.
Logo em seguida foi a vez do André, que partiu para a capital com uma mochila nas costas e uma mala de mão, uma vez que o Rodolfo já tinha arrumado uma cama para ele no apartamento que dividia com mais um amigo. Ele estava empolgado com a vida na cidade grande, mas percebíamos que estava triste por se ver longe dos amigos.
Depois fui eu, partindo numa sexta de manhã para que meus pais pudessem passar o fim de semana comigo e com o meu irmão e acertar as coisas no cursinho que eu faria. Sentia um certo frio na barrida, e certamente sentiria falta da turma.
O Neuza foi o último, pois a estadual começava quase um mês depois da particular e dos cursinhos, e soubemos que ele foi meio em cima da hora, arrumando um lugar para ficar apenas no primeiro dia de aula, conversando com um monte de gente que não conhecia até encontrar uma república que aceitava calouros, ou bixos, como diziam, e que os caras eram uns babacas que ficavam mandando ele fazer um monte de coisas por ser bixo, como lavar banheiro, arrumar os quartos de todos e mais um monte de outras coisas idiotas para humilhá-lo.

_ Já sabe que se não estudar pra valer volta pra casa né? – Disse novamente minha mãe.
_ Eu sei, mãe. Vou estudar pra valer.
_ Leo, manter você e seu irmão em outra cidade não é fácil, mas fazemos isso pensando no futuro de vocês. Espero que não nos decepcione. – Foi a vez do meu pai.
_ Tá bom, pai. Prometo que não vou decepcionar.
Meu irmão me olhava e fazia sinal com as mãos de que eu tinha me fodido, zoando sem que meus pais vissem.
Eu realmente estava disposto a estudar. Sabia que a única forma de não ter que fazer algo como o Jonatan, de trabalhar durante o dia e estudar durante a noite morando com meus pais ainda, era se passasse numa universidade estadual ou federal. Indiretamente esse era o acordo. Se fosse para fazer uma particular faria perto da nossa cidade e usaria o ônibus da prefeitura. Mas um grande problema persistia: Que curso fazer? Meus pais apostavam que ao morar fora e longe deles eu assumiria maior responsabilidade e amadureceria. Era uma aposta arriscada, mas estavam dispostos a pagar para ver, e eu queria mesmo mostrar para eles que conseguiria.
Algumas horas depois chegamos à cidade do meu irmão. Fomos até sua república, onde o Fred, o cachorro, veio nos recepcionar.
_ Ah, moleque! Adivinha quem vai morar aqui com vocês? – Falava ao cachorro, que pulava e mordia meu braço com sua enorme boca, brincando e me deixando todo babado.
Depois da primeira visita ao Lourenço eu já tinha ido mais duas vezes, me familiarizando mais com a cidade e com o pessoal da casa. O Fabrício não estava, percebendo isso de imediato ao notar a ausência do carro, e o Rodrigo estava à frente da televisão, assistindo desenhos animados.
_ Olha o morador novo chegando aí! – Disse ele ao me ver.
_ E aí Rodrigão.
_ Vamos almoçar no shopping então? – Chamou meu pai. – Depois já passamos no cursinho. Quer ir com a gente, Rodrigo?
_ Opa, seu Francisco. Vou sim.
Tiramos minhas coisas e do meu irmão do carro e fomos ao shopping. Eu estava um pouco fora do ar. Ainda não tinha caído a ficha da minha situação de fato.
Depois de comer deixamos meu irmão e o Rodrigo no shopping e fomos até o cursinho. Escolhemos um que era considerado bom e não tão longe da república, de modo que eu pudesse ir de bicicleta todos os dias. Logo que meu irmão se mudou da nossa cidade para lá meus pais levaram sua bicicleta, mas ela nunca tinha sido usada, então eu faria proveito dela.
Meus pais acertaram os detalhes de matrícula, mensalidade e material e voltamos para o shopping. Minhas aulas começariam na segunda, e vi nos materiais que teria duas disciplinas que nunca tinha tido: Filosofia e Sociologia. Aquelas eram matérias que caiam nos vestibulares daquele estado, diferente de onde morávamos, e me lembrei de ter assistido uma palestra sobre um filósofo alemão da primeira vez que conheci o campus em que meu irmão estudava.
_ A partir de segunda-feira é só isso aí que importa, entendeu? – Dizia minha mãe em relação ao material que eu folhava.
_ Eu sei, mãe! – Respondia, já de saco cheio da cobrança.

Passamos um final de semana tranquilo, saindo para passear pela cidade e shopping e comer em alguns restaurantes tradicionais. Deixamos meus pais dormirem no quarto do meu irmão que seria o meu também e dormimos em colchões na sala. No sábado sai com meu irmão, o Fabrício e o Rodrigo, de modo que fomos a um barzinho universitário com som ao vivo cheio de gatinhas. Aquilo me animou, pois agora eu moraria naquela cidade cheia de barzinhos e gatas e festas e tudo mais muito maior que a minha. Bebemos e fumamos, mas ninguém se deu bem com as garotas. Chegamos por volta das quatro da manhã.
_ Vai se acostumando, Leo. O ritmo é esse quase todos os dias da semana.
_ Hahahaha! Massa!!!
_ E vê se leva as garotas do cursinho pras festinhas em casa também. – Falou o Rodrigo.
_ Certeza.
No domingo acordamos quase ao meio dia, com uma bela ressaca, para almoçar com meus pais que iriam embora logo em seguida. Na despedida minha mãe chorava ao me abraçar.
_ A casa vai ficar tão vazia agora!
_ Fica calma, mãe. Vai dar tudo certo.
_ Estuda bastante, ok?
_ Pode deixar, pai. Vou estudar pra valer.
E foram embora. Só então percebi a força das palavras da minha mãe. Realmente, agora seriam só os dois em casa. Pela primeira vez. Pelo menos a Rosália estaria por perto, e o Neto levava muita alegria para eles. Me apegava a essas ideias para evitar chorar também.
_ Então? – Disse o Fabrício.- Vamos comprar umas cervejas?

A vontade de chorar passou na hora...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Aos Meus Amigos - 30 (Parte II)

(Não leu desde o inicio? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


Pouco depois de prestar o único vestibular que me inscrevi chegou nossa formatura de terceiro colegial. Nossa porque o Neuza, o Hugo e o Mário eram da mesma turma que eu desde muitos anos. Nem precisa dizer que a turma toda estaria lá. O André não teria festa de formatura, apenas uma sessão de colação de grau que nem participaria, e o Helinho e o Antônio eram mais novos do que nós.
Quanto ao vestibular era um tanto obvio que eu tinha ido mal, não tendo nem chance de passar para a próxima fase, o que de certa forma foi um alívio tanto para mim como para os meus pais, pois assim teria um tempo a mais para me decidir o que queria de fato, sendo combinado que faria cursinho na cidade onde meu irmão estudava, e isso me deixava muito empolgado.
_ Mas se percebermos que não está levando os estudos a sério volta de imediato, entendeu? – Já tinha me repetido milhões de vezes minha mãe.
 Tínhamos grandes planos para a formatura. O Neuza, o Hugo, o Mário e eu havíamos pedido para nossos pais uma garrafa de uísque pela formatura, o que acabaram aceitando, rendendo quatro garrafas para nos deliciarmos. Claro que nessa conta entrariam outras pessoas de nossas famílias também, mas ainda assim julgávamos que daria para ficar bem alegre.
_ Formatura não costuma acabar tão tarde. O que faremos depois? – Quis saber o André.
_ Nunca fui na zona. Seria massa. – Comentou o Mário.
_ Tá aí uma boa ideia. Vai ser legar ir para a zona chapado depois da formatura. – Apoiou o Jonatan.
_ Quem sabe o Cleber não reencontra a Neuza, hahahahaha! – Soltei.
_ Verdade! Hahahahaha!
_ Vão se foder!
O Helinho e o Antônio ficaram empolgados também. Não eram mais virgens mas nunca tinham ido à zona. Não que tínhamos esse costume, mas já tínhamos ido vez ou outra por zoeira ou, no máximo, um show de strip-tease.
_ Combinado então. Acabando a formatura vamos todos zonear. – Sentenciou o Hugo.
_ Mas vai caber no carro do pai do Jonatan? – Perguntou o Antônio.
_ Se não couber nós apertamos. Não é tão longe. – Disse o Jonatan.
Estava tudo acertado.
O dia chegou, e com ele os preparativos. Meu irmão já estava em casa e feliz da vida ao saber das garrafas de uísque, mas eu não havia falado nada da zona. Minha irmã, o Roberto e o Neto também já estavam lá. O Neto usava um terninho em miniatura, o que chamava a atenção de todos. Ele estava se tornando um moleque bem bacana. Todos prontos e saímos em direção ao salão de formatura.
_ A mesa da família do Leonardo Félix é naquela direção.
Apontou uma moça que ajudava a organizar a cerimônia. Percebi que era perto da mesa da família do Mário, mas distante das do Hugo e do Neuza. A turma estaria um pouco dividida, já que havíamos dividido nossas cotas de convites com os amigos e ficariam um pouco em cada mesa. O André e o Helinho ficariam na minha mesa, o Jonatan na do Mário e o Antônio na do Neuza.
_ Que droga! E agora? – Perguntei.
_ Esquenta não, Leo. Ficaremos nas mesas só na hora de comer. – Respondeu o Hugo.
E foi bem isso.
Copos foram enchidos, conversas foram iniciadas e a diversão corria solto. Foi um saco a parte do cerimonial, mas valeu a pena pela alegria que meus pais ficaram, tendo até direito a uma valsa que dancei com minha mãe. Enquanto isso, o Antônio, o André, o Helinho e o Jonatan nos provocavam estendendo seus copos em nossa direção, pra varear. O Helinho se vingava do que fizemos a ele em sua formatura.
Terminando toda essa parte, serviram o jantar. Enfiamos um pouco de comida na boca sentados à mesa para que nossos pais nos deixassem em paz e já nos juntamos à turma. Estavam todos um pouco alegres já, e as garrafas já passavam da metade.
_ Tem umas gostosinhas na sua sala, heim? – Comentou meu irmão.
_ Até tem, mas são todas frescas. – Respondi.
As músicas se tornaram mais dançantes, o que levou todo mundo para a pista. O Roberto já estava bem chapado, e dançava no centro da roda fazendo graça com o Neto. Meu pai não se arriscava muito a dançar, preferindo ficar sentado mesmo, tomando hora cerveja, hora bicando o uísque. Já estava um tanto vermelho pela mistura.
Por volta das duas da manhã uma boa parte da família já tinha ido embora, incluindo meu irmão, que tinha saído com o Borges. As luzes já estavam acesas e o som permanecia baixo. Duas das garrafas estavam mortas, matávamos mais uma e apenas dois dedos da última resistiam, mas não por muito tempo.
_ Acho que tá na hora. – Falou o Jonatan.
_ Certeza!
Jogamos o resto do uísque num copo com gelo e fomos em direção ao carro.
Estávamos em oito, e o carro era pequeno. Tínhamos que dar um jeito.
_ Alguém vai na frente comigo no banco do passageiro, quatro se apertam no banco de trás e um vai no porta malas. – Sugeriu o André.
Nos olhamos.
_ Vou com o André no banco da frente! – Me apressei.
_ Que bosta! – Falou o Hugo. – Vamos tirar a sorte para ver quem vai no porta malas.
_ Pode deixar que eu vou. – Se ofereceu o Antônio.
O Porta malas não era desses que fica aberto ligado ao banco de passageiros, sendo totalmente fechado. O Jonatan o abriu e o Antônio foi se enfiando lá. Cheirava a graxa.
_ Espero que não suje minha roupa. E vê se vai devagar, heim Jonatan?
_ Hahahaha! Pode deixar.
Nos apertamos todos da forma combinada e seguimos em direção à zona, tendo que cruzar uma parte da cidade e atravessar a pista, pegando um pequeno trecho de terra. Não era a mesma que o Neuza tinha ganhado o apelido, sendo uma considerada um pouco melhor.
_ Vamos por aquela rua. Tem mais lombadas nela. – Disse o André.
_ Certeza. – O Jonatan concordou.
A cada passada por lombada, ouvíamos do porta malas:
_ PORRA!!! VAI DEVAGAR NESSA MERDA!!!
E dávamos risadas.
Paramos em frente ao portão do estabelecimento. Um sujeito fazia a função de porteiro.
_ São maiores de idade?
_ Somos sim.
_ Tem algum documento?
O Jonatan mostrou o dele, e só o dele, único maior de idade. Foi o suficiente para nos deixar entrar. Paramos no estacionamento e começamos a sair. Percebíamos olhares crescendo conforme saiam sete pessoas de dentro de um carro compacto. Além dos olhares, um certo cochicho ao abrir o porta malas e sair mais um indivíduo.
_ Seus viados. Se ficar com os braços roxos vocês vão ver só!!! – Se revoltava o Antônio.
Nos dirigimos para dentro, onde uma luz vermelha pouco iluminava o local e garotas e uns pouco clientes nos olhavam. Como estávamos de terno e gravata, despertava mais as atenções. Uma mulher de idade já um pouco avançada se aproximou, e o André tomou as palavras.
_ O que vai ser para os senhores?
_ Queremos um strip completo com a mais gostosa.
A mulher chamou algumas das garotas e começamos a escolher, nos decidindo sobre uma delas. Era bem gata e gostosa.
_ Quanto é?
E ela nos falou o preço. O André nos puxou para um canto para conferirmos o dinheiro. Tiramos nossas carteiras do bolso e passamos a contar cada nota e moeda. Faltava uma quantia. O André tentou negociar.
Vendo o balançar de cabeça negativo feito pela mulher a cada frase do André, o Neuza tirou uma caneta do bolso e se aproximou dos dois. Também nos aproximamos, curiosos com o que ele faria.
_ Com licença? Sei que não temos todo o dinheiro, mas e se eu deixar essa caneta no lugar para completar? Eu a ganhei do meu pai pela minha formatura, e é um presente que certamente vou querer levar por toda a vida. Eu a deixo com a senhora e, amanhã à tarde, lhe trago a quantia que falta do dinheiro para pegar esta caneta de volta. O que me diz?
A mulher olhava para ele e para a caneta em sua mão. Realmente era uma caneta bonita, e ficamos confusos com a história.
_ Não precisa disso não, Cleber! – Disse para ele.
_ Pode ficar tranquilo, Leo. Não vou querer perder essa caneta por nada. Amanhã eu volto para pegá-la de volta.
A mulher pegou a caneta e deu uma longa olhada para ela. Suspirou e chamou a garota.
_ Pode se preparar. Esses senhores querem um strip-tease completo.
E nos conduziu para a salinha com um pequeno palco. Pouco tempo depois, uma música sensual teve início, junto com um fajuto jogo de luzes. A garota entrou, com a mesma roupa que estava mas portado um pequeno chicote de acessório. Dançava e rebolava ao som da música, fazendo caras de uma atriz amadora tentando ser sexy. Tudo muito artificial, mas àquela altura do campeonato estávamos delirando.
_ Tira a roupa logo!!! – Gritava o Hugo.
_ Rebola mais!!! – Berrava o Neuza.
_ Gostosa!!! – Se empolgava o Mário.
O Helinho e o Antônio estavam pirando também. A coisa estava esquentando.
A mulher desabotoou a apertada calça que estava e começou a baixa-la de pouco em pouco, até tirá-la totalmente com certo esforço. Já devia ter feito isso várias vezes, mas não impediu de se desequilibrar na hora de passar a calça pelos pés com o salto alto. Jogou a calça para o lado e se virou de costas para nós, mostrando sua bunda. Os ânimos caíram.
_ Que bunda murcha?!? – Comentou o Antônio numa altura que ela não ouviria.
_ Pois é. Que merda! – Concordou o Jonatan
_ De calça tava melhor. – Falei.
Ela continuou. Começou a desabotoar a blusa. Logo veríamos os peitos, que pareciam fartos.
_ Que merda! – Disse mais uma vez o Jonatan, dessa vez mais alto um pouco.
Eram umas merdinhas de peitos, e já um tanto caídos. O sutiã tinha enchimento.
O gritos de animação tinham cessado. Começamos a só curtir o momento e a furada na qual tínhamos nos metido. Passamos a nos divertir com as poses e expressões que ela forçava, mas já sem tesão nenhum.
_ É isso aí! Rebola mais!
E ela se chacoalhava exageradamente.
_ Faz cara de puta!
E ela abria a boca e simulava sexo oral com o próprio dedo.
_ Fica de quatro!
E ela obedecia, se sentindo toda.
Quinze minutos depois acabava a música. Ela recolheu suas roupas, ainda nua, e saiu do palco, enviando beijinhos em nossa direção.
_ Que bosta, heim? – Disse o Neuza.
_ Mas foi divertido. – Falei.
_ Isso foi. - Concordou o Mário.
Ao sairmos da salinha a mesma mulher com quem negociamos se aproximou:
_ E então? Ninguém vai querer conhece-la mais de perto?
_ Valeu, dona. Não tínhamos nem todo o dinheiro do strip imagina para o sexo. – Soltou o André.
Ela ficou um tempo pensativa.
_ Mas você vem buscar a caneta, não vem? – Perguntou ao Neuza.
_ Mas é claro, minha senhora. Essa caneta tem grande significado para mim.
E fomos saindo, com ela nos acompanhando com os olhos enquanto nos apertávamos no carro e o Antônio se enfiava no porta malas praguejando coisas para que o Jonatan desviasse de lombadas.
_ Neuza? – Perguntei logo que deixamos o portão para trás. – Loucura essa história da caneta. E se ela não te devolver mais ou pedir mais caro?
_ Leo, aquela caneta peguei do balcão do bar da formatura. Eu ia devolver, mas depois esqueci.
Um breve silêncio. Bem breve mesmo até todos caírem na risada.
Do porta malas só ouvíamos uns berros:
_ DO QUE VOCÊS ESTÃO RINDO? ME CONTA! QUERO SABER!!!
E terminamos a noite no trailer de lanches, tomando algumas cervejas e matando uns cigarros.

Foi bem divertido.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Aos Meus Amigos - 29 (Parte II)

(Não leu desde o inicio? Então aproveite em http://blagoiaba.blogspot.com.br/2013/09/aos-meus-amigos-introducao.html )


_ Administração – Falei.
_ Tem certeza, Leo? É isso que você quer? – Perguntou meu pai.
_ Acho que sim.
_ Você acha! Leo, você está escolhendo um curso que lhe dará o rumo para uma vida inteira. Não pode ficar num “acho que sim”! – Foi a vez da minha mãe falar.
_ Mas eu não sei ao certo o que fazer. Deram umas palestras na escola e administração foi o que achei um pouco mais legal. Não sei.
Sentia pânico vindo dos meus pais. Não que eles não achassem que administração fosse um bom curso, mas eles não viam tal perfil e disposição em mim. Eu mesmo não sabia ao certo, tendo escolhido esse curso mais para me deixarem em paz.
_ Certo. – Tentava se acalmar meu pai. – E você já viu onde vai prestar e tudo mais?
_ Meus amigos vão prestar a estadual. Vou com eles.
_ E o que mais? – Minha mãe perguntou.
_ Só ela, acho.
_ Você tem que tentar em outros lugares, filho. Pra ter mais chance. Tem as federais também, assim como outras estaduais.
_ Tá. Vou pensar nisso certinho. Tô saindo. Tchau.
E assim se dava mais uma fuga. Sentia que isso não acabaria nunca.

_ Então seus pais não se convenceram, Leo?
Comentou o Hugo depois que lhe disse da conversa com meus pais. O duro é que o Hugo já sabia o que queria, só estava em dúvida de onde prestar.
_ Pois é. Tô ferrado. Nem sei o que quero da vida.
_ Eu escolhi programação por ser uma carreira do futuro. Qualquer lugar que você vai se usa computador hoje em dia, e um primo meu tá fazendo isso e me mostrou um pouco. Achei bem legal e decidi seguir também. Você precisa achar algo que você gosta.
_ É...
A não ser por mim e pelo André, todos já sabiam o que fazer: o Mário queria medicina, o Neuza comunicação, o Jonatan já fazia computação, o Helinho dizia que queria fazer farmácia e o Antônio jornalismo. Pra piorar, o André já sabia o que queria para o próximo ano, apesar de não saber o curso que faria. Ele iria para a capital do estado morar com o Rodolfo, seu irmão, e fazer cursinho. Depois decidiria o curso de fato. Só eu estava totalmente perdido.
_ Administração não deve ser tão ruim assim... – Tentava me convencer da escolha.
Seguimos até a casa do André. O bar do Pescocinho já estava ficando enjoativo, e cada vez mais ia um bando de moleques folgados que falavam alto demais e mexiam com todo mundo. O jogo de tiro do Antônio era legal, mas a disputa ficava só entre ele e o André. Decidimos nos reunir para ver o que fazer naquela sexta. Os sábados não eram problema, já que sempre íamos à boate, mas as sextas sempre se mostravam um desafio.
_ Que vai rolar hoje? – Perguntou o Neuza.
Fumávamos um cigarro na calçada, já sem medo da tia Josefa que nunca saia do quarto quando o tio Ernesto estava viajando. Bicávamos uma garrafa de conhaque com refrigerante.
_ Dar um rolê na praça? – Sugeriu o Mário.
_ Nem. Só tem molecada. E umas meninas frescas de doer. – Disse o André.
O Jonatan estava na faculdade, ou em algum barzinho, como era de costume fazer as sextas na cidade onde estudava. Ficávamos com inveja só de imaginar.
_ Jogo de tabuleiro? – Disse o Hugo.
_ Já enjoamos. – Falou o Antônio, que nem tinha jogado tanto assim conosco mas já estava de saco cheio também.
_ Quando éramos crianças qualquer brincadeira de esconde-esconde já era uma alegria. Agora tudo enche o saco. – Foi a vez do Helinho se expressar.
_ É isso! – Soltei.
_ É isso o que? Perguntou o André.
_ Vamos brincar de esconde-esconde. Quando éramos pequenos já era legal, e tínhamos todas as limitações devido à idade. Mas agora, vai ser bem mais legal. Que acham?
Silêncio. Estavam todos pensativos, e cada vez mais se via um sorriso crescente no canto de cada lábio.
_ Pode ser legal.
_ É! Também acho.
_ Eu topo!
_ Eu também!
O André já se levantou e pegou uma pedra do chão, anunciando de prontidão:
_ Rei da pedrinha chiqueirinho livre!
_ Babaca! – Alguém soltou.
E formamos uma fila em frente a ele, como não fazíamos há muitos anos.
O André colocava as mãos para trás e escolhia uma delas para colocar a pedrinha sem que ninguém visse, deixando a outra livre. Logo depois estendia as duas para que o primeiro da fila batesse em uma delas. Escolhida a mão da pedra era um possível candidato ao pique. Mão sem pedra estaria livre.
_ Helinho Livre.
_ Hugo não. Espera do lado direito.
_ Neuza também não. Lado direito.
_ Mário livre.
_ Leo livre.
_ Antônio lado direito. Faz fila de novo Antônio, Hugo e Neuza.
Pouco depois, Hugo era o escolhido, devendo contar até cem para que todos nos escondêssemos. Parecíamos realmente crianças com a animação.
_ 1, 2, 3, 4, 5...
_ Você que conhece as redondezas, onde tem lugar legal, Leo? – Perguntou o Antônio.
_ Se quiser me siga.
O Neuza e o Helinho correram para a casa velha do outro lado da rua, pulando o muro baixo e se embrenhando no mato ao fundo. O Mário seguiu o André, que começou a subir em uma árvore no meio do quarteirão, com copa bem larga, de modo que a sombra os escondia bem. O Mário tinha certa dificuldade em subir, mas conseguiu. Fui com o Antônio até a esquina, de modo a me encostar no muro assim que viramos.
_ Acho que aqui é ruim, Leo. Tá muito longe do pique. Teríamos que ganhar na corrida qualquer coisa.
_ Fica calmo. Não sei como o André não veio pra cá também? Fazíamos esse plano direto quando éramos crianças.
Subi no muro da casa da esquina. Tudo apagado. Fazia muitos anos que ninguém morava ali. O Antônio me seguiu. Pulamos no quintal e, de lá, seguimos para o próximo muro, de uma casa com gente. Sussurrei ao Antônio:
_ Aqui que temos que tomar cuidado, pois os moradores podem perceber a gente. Toma cuidado.
Circulamos a casa nos equilibrando por cima dos muros, dando a volta pelos fundos. Estávamos preocupados de ter algum cachorro, mas nada. A próxima etapa era o fundo de uma oficina, onde não havia ninguém e sabíamos que não tinha nenhum cachorro. Quantas vezes não bombardeamos os portões daquela oficina chutando bola há anos atrás? O passo seguinte já era o telhado da casa do André, onde nos dava uma bela vista do pique e da posição do Hugo, permitindo descer em tempo para nos salvar. Apesar de não sermos mais crianças com todo o pique e folego que elas têm, agora tínhamos mais força e agilidade.
Durante todo o percurso ouvimos os berros e as correrias da molecada. O Neuza já tinha sido pego, mas o Helinho tinha corrido mais rápido que o Hugo e se salvado. O Mário e o André ainda não haviam sido descobertos, mas o Hugo já desconfiava das árvores, rodeando-as sem se afastar muito da região do pique.
_ Caralho! Uma maria-fedida!
Ouvimos o Mário, seguido de uma barulheira dele descendo às pressas da árvore.
_ Tá pego, Mário! – Gritou o Hugo, batendo no pique.
Mais barulho da mesma árvore. O André segurava o riso, mas não dava pra saber que era ele.
_ Quem tá aí? – Gritava o Hugo.
Confiante de que pegaria mais alguém, o Hugo se afastou do pique em direção à árvore. Foi nossa deixa.
_ Vem, Antônio! É agora!
Descemos rapidamente do telhado pelo muro, sem qualquer dificuldade. Eu já tinha feito aquilo milhões de vezes, e o Antônio acompanhou bem.
_ Leonardo salvo!
_ Antônio Salvo!
O Hugo se virou, com ar de irritação. Foi a vez do André se aproveitar da distração: Estando preparado para uma eventual corrida, o André havia se posicionado numa das pontas da árvore, e, numa manobra muito parecida com a que fazíamos na mangueira do terreno do circo, se pendurou num galho e caiu mais à frente do Hugo, partindo em disparada.
A disputa procedia, com gritos da molecada, mas não teve jeito para o Hugo e o André se salvou.
_ Hahahaha! Se fodeu! – Gritava o André.
_ Quem se fodeu foram o Mário e o Neuza. Não eu. – Se defendia o Hugo.
_ É verdade. Tirem par ou impar para vez quem bate cara. – Falei.
_ Tio? A rua aqui é mão única, né? – Perguntou o Helinho.
_ É, por quê?
_ Tem um burro subindo a rua na contra mão e com o farol apagado.
Ficamos olhando o carro sem noção, até que, a poucos metros de nós, duas luzes fortes se acendem junto com os faróis, também fortes. Barulho de sirene. Era a Polícia.
_ Mãos na cabeça e encostados no muro, molecada! AGORA!
_ Calma aí... – Tentou argumentar o Antônio.
_ AGORA, PORRA!!!
Obedecemos.
Dois policiais desceram do carro, um com uma arma e uma lanterna apontadas para a gente e o outro vindo em nossa direção para revistar. O Neuza tentou olhar para um deles e já foi tomando um empurrão com as mãos do policial para que voltasse a cabeça para a parede. Ninguém se arriscou falar nada.
_ Tudo limpo. – Informou o guarda da revista.
Vizinhos começaram a apontar suas cabeças por muros e janelas. A tia Josefa saiu às pressas.
_ O que está acontecendo aqui?!? – Dizia, desesperada, ao ver seu filho e neto de encontro à parede.
_ Perturbação da ordem e possibilidade de furto, senhora. Já enquadramos os suspeitos.
_ Mas são meu filho, meu neto e os amigos deles! Meu sobrinho está aí também!
Os policiais se sentiram perdidos.
_ Recebemos telefonemas de barulhos e correrias na rua. Um dos vizinhos disse que andavam por sobre os muros e telhados das casas.
Começamos a nos virar devagar. Foi o Helinho quem se arriscou:
_ Estávamos brincando de esconde-esconde.
_ Esconde-esconde? Nessa idade? – Se espantou um policial.
_ É. Não tinha nada pra fazer achamos que seria divertido. – Completei.
Os policiais relaxaram um pouco. Os vizinhos foram perdendo o interesse pela situação.
_ Jovens, entendo que nossa cidade não tem muito a oferecer, mas vocês têm que entender também que assustaram os vizinhos com os barulhos e a correria. Não é todo dia que pessoas na idade de vocês fazem isso. Procurem outra coisa para fazer.
Concordamos com a cabeça e eles foram embora. A tia Josefa também pediu mais cuidado e entrou. Acendemos cigarros.
_ Tentamos brincar de modo inocente e não deu. – Disse o Mário.
_ O jeito é beber mesmo. – Acrescentou o Hugo.
_ Vamos para o Pescocinho então. – Convocou o André.

E assim seguimos para mais uma sexta regada a cerveja, cigarro, fliperama e bilhar. Fazer o que?